O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa, apartidária e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
Filtro:

Política

Investigado por: 2020-09-11

Post usa foto antiga de madeireiros para acusar ONGs por incêndios na Amazônia

  • Falso
Falso
Post reproduz uma publicação feita no Facebook por outro perfil, no ano passado, e usa uma foto verdadeira, de indígenas detendo madeireiros, para acusar ONGs por queimadas
  • Conteúdo verificado: Publicações nas redes sociais reproduzem postagem de Facebook que diz que indígenas prenderam em flagrante membros de ONGs que seriam incendiários.

São falsas as postagens que acusam ONGs de serem responsáveis pelas queimadas na Amazônia. Nas publicações, é usada uma foto antiga de indígenas prendendo madeireiros ilegais. A viralização da mesma imagem já havia ocorrido em agosto do ano passado, quando o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse, sem provas, que poderia “estar havendo ação criminosa desses ongueiros para chamar a atenção contra o governo”.

Tanto naquela época quanto agora, o clique vem acompanhado da legenda: “Lembram que caíram de pau em cima de Bolsonaro, quando disse suspeitar que ONGs estariam envolvidas nos incêndios na Amazônia? Índios prenderam incendiários em flagrante. Outro preso pela polícia em Iranduba”, insinuando que os indígenas estariam prendendo membros de organizações não governamentais.

Não é verdade. A imagem foi registrada pelo fotógrafo Lunaé Parracho para a agência Reuters e mostra uma operação de indígenas da etnia Ka’apor na terra indígena Alto Turiaçu, no Maranhão, contra a exploração ilegal de madeira em 7 de agosto de 2014. Com membros de outras tribos, eles prenderam e expulsaram desmatadores daquele local – e não funcionários de uma ONG.

Uma das páginas que viralizou a foto no Instagram desta vez, o perfil @Galeradadireita retirou o post do ar após constatar que seu conteúdo era falso, conforme contou ao Comprova, e postou uma errata após entrevista com a equipe. Outros internautas que publicaram a foto com a legenda falsa foram contatados, mas não deram retorno ao Comprova até a publicação desse texto.

Como verificamos?

O Estadão Verifica, um dos 28 veículos parceiros do Projeto Comprova, havia feito uma investigação da mesma imagem no ano passado. Por meio desse trabalho, conseguimos identificar a foto e o fotógrafo, com quem fizemos contato via Instagram.

Na sequência, mandamos mensagem para o perfil do Instagram @Galeradadireita, que publicou o conteúdo verificado e retirou-o do ar. Também tentamos falar com outros perfis que compartilharam o post, mas não obtivemos resposta.

Verificação

A foto

A imagem foi feita pelo fotógrafo Lunaé Parracho, da agência Reuters, em 7 de agosto de 2014. Ela mostra membros da etnia Ka’apor detendo madeireiros que atuavam ilegalmente dentro da terra indígena Alto Turiaçu, nas imediações da cidade de Centro do Guilherme, no Noroeste do Maranhão.

De acordo com Parracho, a operação foi feita porque os indígenas, também chamados de Caapores, estavam cansados da falta de assistência do governo para acabar com a exploração ilegal da madeira e se juntaram a outras tribos para expulsar os desmatadores.

O caso virou notícia na época. Em 5 de setembro daquele ano, a Folha de S. Paulo publicou reportagem com o título: “Índios prendem e agridem madeireiros invasores no Maranhão”.

No site de fotografia da Reuters é possível ver a sequência com a foto verificada aqui. Há imagens dos indígenas tirando as roupas dos desmatadores, de um caminhão carregado de toras, de tratores usados para desmatar e de caminhões sendo queimados. A série, chamada de “Guerreiros da Amazônia lutam contra madeireiros”, foi premiada no China International Press Photo Contest, em 2015.

Parracho é gaúcho e se dedica desde 2011 a questões sociais e ambientais do Brasil – a Amazônia é um de seus principais focos. Colabora com a agência Reuters desde 2012 e já teve seus trabalhos publicados em veículos como The Guardian, The Wall Street Journal, Al Jazeera e The Washington Post, entre outros.

“Quando fiz essa foto, sentia esperança ao ver aqueles guerreiros protegerem suas terras. É o contrário do que sinto ao vê-las sendo usadas nessas fake news, que passam por cima de todos nós como um rolo compressor. Elas roubam a verdade daquele povo em resistência, e isto é uma síntese do genocídio que estamos vivendo. Sinto que estamos sendo esmagados, como todos provavelmente estão se sentindo, tendo clareza ou não do que está acontecendo”, afirmou Parracho sobre o uso de sua foto no conteúdo verificado aqui.

Bolsonaro x ONGs

As críticas do presidente Jair Bolsonaro às ONGs vêm desde 2019, quando as queimadas na Amazônia viraram notícia em todo o mundo. Em agosto do ano passado, ele acusou, sem provas, as organizações de estarem por trás dos incêndios na floresta.

Três meses depois, o presidente pediu em uma de suas lives para que as pessoas não fizessem doações para ONGs. “Logicamente o mundo não está vendo o que eu estou falando aqui, mas não doem dinheiro para ONG. ONGs não estão lá [na Amazônia] para preservar ambiente, mas em causa própria.”

Recentemente, em nova live, disse que não conseguia “matar esse câncer chamado ONG”. “Você que está numa ‘ONGzinha’ aí pegando grana de fora. Vocês sabem que as ONGs, em grande parte, não têm vez comigo, a gente bota para quebrar em cima desse pessoal lá. Não consigo matar esse câncer em grande parte chamado ONG que tem na Amazônia.”

O perfil

Contatado pelo Comprova, o perfil @galeradadireita no Instagram, que republicou o post que já havia circulado no ano passado, informou que retirou o conteúdo do ar após constatar “que era fake”. Sobre publicar sem checar a veracidade, Julio Cesar, responsável pela página, disse que “esta vez, infelizmente, passou” e que vai redobrar a atenção.

No dia 10 de setembro, após contato com o Comprova, o perfil publicou uma errata. Na legenda, escreveu: “Boa tarde a todos!! A página Galera da Direita publicou esse post ontem (e) foi constatado que se trata de notícia fake. Peço desculpa a todos seguidores e vamos tomar mais cuidado com nossas publicações!! (Jo 8,32) ‘conhecereis a verdade e a verdade vos libertarás!!!’.

Apesar da correção, há outros conteúdos considerados falsos e enganosos na página, como o que distorcia informações para afirmar que a Organização Mundial da Saúde havia pedido desculpa por reviravoltas com hidroxicloroquina e o que dizia que a OMS concluiu que pacientes assintomáticos não transmitem a covid-19.

O perfil posta conteúdos favoráveis a Bolsonaro, contra o ex-presidente Lula e a TV Globo. De acordo com o autor, ele não tem ligação com nenhum partido. “Sou somente um brasileiro que está cansado de ver o país ser saqueado por políticos ladrões e uma imprensa totalmente complacente”, afirmou ao Comprova.

Já o perfil do Facebook que escreveu o post original não respondeu ao pedido de entrevista do Comprova.

 

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova verifica postagens suspeitas que tenham viralizado nas redes sociais que tenham ligação com políticas públicas do governo federal ou com a pandemia. É o caso do post do @Galeradadireita, que distorce a informação de uma foto verdadeira para enganar os leitores e acusar ONGs pelos incêndios na Amazônia.

Vivemos um momento delicado, em que a maior floresta do mundo está sob ameaça, sofrendo incêndios criminosos, e o presidente minimiza o perigo. No mês passado, ele chegou a afirmar que “Essa história de que a Amazônia arde em fogo é uma mentira“. A disseminação de conteúdos que reforçam essa visão, falsa, apenas agrava os riscos que a Amazônia corre. Não foi possível medir a viralização do post do @Galeradadireita no Instagram, mas, no Facebook, o conteúdo já foi compartilhado mais de 91 mil vezes desde 26 de agosto de 2019, quando começou a se espalhar.

Além do Estadão Verifica, a Agência Lupa e o AFP Checamos também investigaram o post no ano passado. E o Comprova já mostrou outros conteúdos ligados a queimadas, como o vídeo que mostrava fogo controlado feita pelo Ibama, e não incêndio provocado para culpar o presidente.

Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original.

Política

Investigado por: 2020-09-11

Tuíte diz que matemática não aceita fake news, mas erra ao comparar salários

  • Enganoso
Enganoso
Tuíte verificado pelo Comprova usa valores incorretos para comparar o salário mínimo em 2012 e 2020 e desconsidera o contexto econômico dos dois períodos
  • Conteúdo verificado: Post no Twitter compara o valor do salário mínimo em dólar entre os anos de 2012 e 2020 e diz que a “matemática não aceita fake news”.

Tuíte que traz uma comparação entre o salário mínimo de 2012 com o de 2020 engana ao desconsiderar a manutenção do poder aquisitivo. A postagem viralizou no Twitter ao comparar o valor em dólares do salário mínimo dos dois anos, sugerindo que as pessoas passaram a ganhar menos no atual governo. A publicação afirma que o valor era de US$ 400 em 2012 e de US$ 187 em 2020. O Comprova fez os cálculos com base em informações do Banco Central e na legislação que regula o reajuste do salário mínimo. As quantias divergem do indicado na postagem. O salário mínimo de 2012 oscilou entre US$ 365,88 e US$ 297,60. Em 2020, o valor ficou entre US$ 247,04 e US$ 176,22 até 10 de setembro.

Além disso, o tuíte não considera o contexto econômico do período. Especialistas consultados pelo Comprova confirmam que a política monetária do governo atual contribuiu para a desvalorização do real frente ao dólar, mas também afirmam que a pandemia, o desemprego e a queda de juros iniciados nos governos anteriores contribuíram significativamente para este cenário. Enquanto 2012 era o segundo ano de mandato da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), 2020 é o segundo ano de gestão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

O Comprova tentou contatar o autor da postagem pelo Twitter e Instagram para entender a base do cálculo e o objetivo da mensagem. Não houve resposta até a publicação desta reportagem.

Como verificamos?

O Comprova buscou informações em sites de notícias sobre o valor do salário mínimo definido para os anos de 2012 e 2020. No site do Banco Central, pesquisou informações sobre a cotação do dólar nos dois anos. Também buscamos as leis federais 12.382/11 e 13.152/15, que definiram a política de valorização do salário mínimo entre os anos de 2012 e 2019.

Ouvimos ainda a análise de dois economistas: Jocildo Fernandes Bezerra, professor de Política Monetária da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) até fevereiro deste ano.

Verificação

Valor do salário mínimo

O salário mínimo em 2012 era de R$ 622. Segundo os dados do Banco Central, o dólar teve a menor cotação de 2012 em 29 de fevereiro, quando foi negociado a R$ 1,70. A maior cotação da moeda naquele ano foi de R$ 2,09, em 18 de dezembro. O que significa que o salário mínimo de 2012 oscilou entre US$ 365,88 e US$ 297,60.

Já em 2020, o valor do salário mínimo é R$ 1.045. Neste ano, o menor valor do dólar foi registrado em 2 de janeiro, quando a moeda foi negociada a R$ 4,02. O salário mínimo de 2020, porém, só começou a vigorar em fevereiro. Desde então, o menor valor do dólar foi de R$ 4,23, em 4 de fevereiro e o maior foi de R$ 5,93, em 14 de maio. Isso significa que o salário mínimo deste ano oscilou entre US$ 247,04 e US$ 176,22 até agora.

Em 2011, entrou em vigor a lei 12.382, que determinava a política de valorização de longo prazo do salário mínimo, com regras para o reajuste da remuneração a ser paga entre 2012 e 2015. Por essa política, o salário mínimo era reajustado de acordo com a inflação do último ano mais a variação do Produto Interno Bruto (PIB) dos dois anos anteriores. A política de valorização do salário mínimo foi renovada em 2015, pela lei 13.152, com as regras para reajuste entre 2016 e 2019.

A partir de 2020, o governo federal passou a adotar uma nova regra de reajuste do salário mínimo, que levava em consideração apenas a inflação do último ano, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Com isso, o reajuste do mínimo deixou de conceder um aumento real no valor recebido pelos trabalhadores anualmente.

O que dizem os especialistas

Em entrevista ao Comprova, o professor da UFPE Jocildo Bezerra disse que é comum que se compare o valor do salário mínimo com o dólar para poder analisar o poder de compra dos trabalhadores em diferentes países, por exemplo. Para esclarecer esse ponto, ele citou um levantamento feito, no ano passado, pelo site Picodi, que compara o poder de compra dos salários mínimos de 52 países.

Segundo Bezerra, é preciso lembrar que há muitas diferenças no ambiente econômico entre 2012 e 2020. “Em parte, o elevado desemprego que nós temos hoje no Brasil é derivado da política econômica do governo Dilma [Rousseff, do PT, presidente entre 2011 e 2016]. Desse ponto de vista, não dá muito para desacreditar o governo atual em relação ao governo Dilma. E nós também tivemos um choque externo que foi a pandemia”, afirma.

Ele acredita, porém, que um dos principais fatores para a alta do dólar foi a queda na taxa de juros, que teria ocorrido de forma excessiva e numa velocidade muito grande nos últimos anos. Como juros menores significam ganhos menores para quem investe em títulos e mercado de capitais, muitos investidores foram retirando seu dinheiro do Brasil, argumenta Bezerra. “O dólar já vinha subindo antes da pandemia por causa dessa aceleração na queda da taxa de juros que começou em 2016, mas se acentuou a partir de maio de 2019”, diz.

O Comprova também consultou Clemente Ganz, que foi diretor técnico do Dieese até fevereiro deste ano. Ele ressalta que a redução do salário mínimo em dólares não implica na queda do poder aquisitivo: “Você não pode dizer que o valor do salário mínimo hoje é metade do poder de compra que ele tinha em 2012, isso não é verdade. O salário mínimo não teve uma redução a metade, pelo contrário, a média do poder de compra foi preservado”.

Clemente explica ainda que a comparação pela taxa de câmbio é “correta, do ponto de vista formal”, mas que há metodologias mais adequadas para comparar o salário mínimo entre nações. Uma delas é o câmbio de paridade do poder de compra, que consiste em pegar um produto – que não se altere entre os países analisados – e ver quantas unidades podem ser compradas com o salário mínimo de cada país. “Um sanduíche do McDonalds é o mesmo em qualquer lugar. Por exemplo, nos Estados Unidos, com um salário mínimo, eu compro 100 sanduíches; na Nigéria eu compro 20, e assim por diante”.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova verifica postagens suspeitas que tenham viralizado nas redes sociais que tratam das políticas públicas do governo federal ou da pandemia da covid-19. É o caso desse tuíte publicado pelo perfil @pedromachadobr, que tenta comparar a política econômica de salários aplicada pelos governos Dilma Rousseff e Jair Bolsonaro. A publicação teve 73,4 mil curtidas e 11,9 mil compartilhamentos no Twitter.

Recentemente, o Comprova fez outras verificações sobre políticas públicas do governo federal e mostrou que, com a correção pela inflação, o dólar sob Bolsonaro não é o mais caro desde a criação do Plano Real; ser enganoso que o Exército teria refeito todo o trecho da transposição do Rio São Francisco inaugurado pelos ex-presidentes Michel Temer (MDB) e Lula (PT) e ser falsa uma publicação que usava dados da aprovação de Lula para tratar do apoio popular ao presidente Jair Bolsonaro.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Política

Investigado por: 2020-08-28

Viaduto na BR-277 em Foz do Iguaçu não tem relação com o governo Bolsonaro

  • Falso
Falso
Obra na BR-277 em Foz do Iguaçu foi atribuída à gestão Bolsonaro em uma publicação no Facebook. A obra, no entanto, foi feita integralmente com recursos do governo do Paraná
  • Conteúdo verificado: Vídeo que circula no Facebook afirmando que um viaduto inaugurado na BR-277 no município de Foz do Iguaçu (PR) foi obra do governo de Jair Bolsonaro.

São falsas as afirmações feitas em um vídeo que circula no Facebook e atribui ao governo de Jair Bolsonaro (sem partido) a construção de um viaduto entre a BR-277 e a Avenida Costa e Silva, no município de Foz do Iguaçu (PR). No vídeo, um homem destaca a rapidez com que a obra foi concluída, insinuando que essa seria uma marca do atual governo, e afirma que sua realização não teria sido possível sem a Operação Lava Jato. Na realidade, a obra foi feita pelo governo do Estado do Paraná, integralmente com recursos próprios, e não tem nenhuma relação com o governo federal, como confirmaram ao Comprova o governo paranaense e o próprio Ministério da Infraestrutura.

O Comprova não identificou nenhuma relação entre o viaduto e a Operação Lava Jato, como a que foi citada no vídeo. Acordos de leniência fechados pela força-tarefa da Lava Jato no Paraná de fato resultaram em valores destinados a obras viárias no estado, mas não foi o caso do viaduto em questão. Segundo a própria força-tarefa, é o governo estadual o responsável por destinar os recursos dos acordos de leniência. Ao Comprova, o governo do Paraná disse que a relação entre a Lava Jato e esse viaduto “não se aplica”.

O comprova tentou contato com a página do Facebook que publicou o conteúdo e com a página “Zap Bolsonaro”, cuja marca d’água aparece no vídeo, mas não obteve resposta.

Como verificamos?

O ponto de partida para a verificação foi um trecho da fala contida no vídeo, na qual um homem informa que está no município de Foz do Iguaçu em uma sexta-feira, dia 6, às 16h05. Fizemos uma busca com esses termos no Google, cujo resultado apontou para uma nota do governo estadual do Paraná informando a inauguração de um viaduto na cidade no dia 6 de dezembro de 2019, uma sexta-feira. Outras informações do vídeo, como a citação da BR-277 e da Avenida Costa e Silva, confirmaram que se tratava da mesma obra.

Além disso, analisamos alguns frames do vídeo e comparamos com imagens do Google Street View para verificar se o local em que o homem fez o vídeo é, de fato, o viaduto na BR-277. As imagens mais recentes do banco de dados do Google datam de dezembro de 2018, antes, portanto, da conclusão do viaduto, mas é possível localizar nelas dois prédios e um outdoor que também aparecem no vídeo, como mostra a imagem abaixo.

Com isso, procuramos a assessoria de imprensa da Secretaria de Infraestrutura e Logística do Estado do Paraná e o Departamento de Estradas de Rodagem do Paraná (DER/PR) para entender de quem é a responsabilidade pela obra e verificar a veracidade das alegações feitas no vídeo. Também procuramos o Ministério da Infraestrutura, do governo federal, a assessoria de imprensa da Presidência e da força-tarefa da Operação Lava Jato.

Por fim, enviamos uma mensagem para a página do Facebook que publicou o conteúdo, mas não obtivemos resposta. Também procuramos a página Zap Bolsonaro, cuja marca d’água aparece no vídeo, mas não houve resposta.

Você também pode refazer o caminho da verificação acessando os links disponíveis na reportagem.

Verificação

O viaduto

A obra que aparece no vídeo é um viaduto localizado no quilômetro 725 da rodovia federal BR-277. Localizada em Foz do Iguaçu, no oeste paranaense, a ponte foi construída para desafogar o trânsito no cruzamento da rodovia com a avenida Costa e Silva, facilitando o acesso aos bairros da região norte e central da cidade e agilizando o tráfego de caminhões que seguem em direção às fronteiras com o Paraguai e a Argentina.

O Ministério da Infraestrutura informou que o “governo federal não tem relação com a obra na BR-277, em Foz do Iguaçu”. A Secretaria de Infraestrutura e Logística, do governo do Paraná, confirmou que a obra não teve participação de outras autoridades e foi realizada inteiramente com recursos estaduais. O viaduto, que tem duas pistas com acostamento e 22 metros de largura, recebeu um investimento total de R$ 18,4 milhões.

Operação Lava-Jato

No vídeo, um homem afirma sucessivas vezes que a inauguração do viaduto não teria sido possível sem a Operação Lava Jato. As falas sugerem que a obra foi realizada sem que houvesse corrupção dos agentes envolvidos em sua construção – segundo o vídeo, diferentemente do que acontecia nos governos anteriores.

O homem que narra o vídeo chega a afirmar que Fernando Haddad (PT), candidato derrotado nas eleições presidenciais de 2018, teria prometido acabar com a Lava Jato caso fosse eleito. O Comprova encontrou manifestações públicas de Haddad que mostram o contrário. Em outubro daquele ano, o petista disse que iria dar apoio a Lava Jato. “Reitero a você: PF, MP, Poder Judiciário receberão apoio para fazer o que viemos fazendo até aqui: não vamos botar sujeira para debaixo do tapete. Vamos continuar as investigações em busca da verdade”, afirmou em entrevista à Rádio Jornal Caruaru, de Pernambuco. Dias depois, Haddad também disse, em entrevista ao SBT, que o ex-juiz Sergio Moro fez um bom trabalho na condução da operação, mas que a sentença contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi “um erro que vai ser corrigido pelos tribunais superiores porque ele não apresentou provas contra o presidente”.

Em contato com o Comprova, a assessoria de comunicação do governo paranaense informou, por mensagem, que a obra do viaduto não tem nenhuma relação com a Operação Lava Jato.

A Lava Jato e o Paraná

Em agosto de 2019, a força-tarefa da Lava Jato do Ministério Público Federal (MPF) firmou um acordo de leniência com a empresa Ecorodovias, controladora das concessionárias Ecovia e Ecocataratas, que atuam no Paraná. O acordo é referente a diversos atos de corrupção e lavagem de dinheiro relacionados a contratos firmados entre a empresa e órgãos públicos. A Ecorodovias reconheceu o pagamento de propinas para obter modificações benéficas à concessionária em contratos desde o ano 2000.

Com a leniência, a empresa deverá pagar R$ 400 milhões até o fim das concessões, que se encerram em 2021. Do total, R$ 30 milhões foram pagos como multa. Os outros R$ 370 milhões serão utilizados para reparação de danos, dos quais R$ 220 milhões para a redução do preço de pedágio de todas as praças da Ecorodovias e R$ 150 milhões serão destinados à execução de obras nas rodovias.

No dia 9 de dezembro de 2019, o governo do Paraná anunciou quais obras seriam beneficiárias do valor recebido graças ao acordo com o MPF. São elas: o Trevo Cataratas da BR-277 em Cascavel; melhorias nas vias marginais na BR-277, em Foz do Iguaçu, e terceiras faixas entre Cascavel e Guarapuava; e a duplicação da rodovia PR-407 no entroncamento com a PR-412. Uma dessas melhorias, de acordo com a Agência de Notícias do Governo do Paraná, deve acontecer em Foz do Iguaçu, nas vias marginais entre o Trevo Charrua e o Viaduto Costa e Silva, que já havia sido concluído e liberado para tráfego.

Vale ressaltar que as obras do viaduto entre a BR-277 e a Avenida Costa e Silva, alvos da investigação, foram concluídas no dia 6 de dezembro de 2019. Já o anúncio das obras que iriam receber a verba do acordo de leniência foi feito no dia 9 de dezembro de 2019 — três dias depois. Ou seja, o recurso proveniente do acordo não foi utilizado na obra verificada pelo Comprova.

A assessoria de imprensa do Ministério Público Federal no Paraná, responsável pela força-tarefa da Operação Lava Jato afirmou em nota que a destinação de recursos recuperados no âmbito da operação não é de competência da força-tarefa. Informou, também, que em 2019 assinou os acordos de leniência citados acima e sugeriu que os questionamentos sobre a obra na BR-277 fossem direcionados ao governo do Paraná.

Páginas que reproduziram o vídeo

A página “Intervenção constitucional militar já brasil clama Fortaleza-ce”, que publicou o vídeo falso analisado pelo Comprova, tem 38 mil curtidas e 122 mil seguidores. Em geral, ela publica conteúdos a favor de Bolsonaro, contra a imprensa e pedindo o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF). O próprio nome da página pede uma intervenção militar constitucional o que, como mostrou o Aos Fatos, não é possível.

O vídeo possui uma marca d’água com os dizeres “Zap Bolsonaro” e o endereço de um site. Nas redes sociais, o blog citado publica notícias envolvendo o presidente Jair Bolsonaro e conteúdos correlatos. Além disso, os administradores do site possuem diversos grupos no WhatsApp para a divulgação dos mesmos conteúdos e afirmam, no site, que “os grupos são somente para distribuição de informações pré-conferidas, para evitar FAKE NEWS” e que os grupos não são abertos para discussões ou bate-papo.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova investiga conteúdos sobre políticas públicas do governo federal que possam provocar desinformação nas redes sociais. É o caso do vídeo objeto desta verificação, que faz afirmações falsas sobre uma obra pública para atribuir sua realização ao presidente Jair Bolsonaro. Segundo dados da plataforma CrowdTangle, até a data de fechamento deste texto, o vídeo somava mais de 177 mil interações no Facebook, tendo sido compartilhado 89.351 vezes.

Com a proximidade das eleições municipais, vídeos como esse podem contribuir negativamente para os debates políticos no país. Quando a desinformação passa a integrar o cenário eleitoral, discussões sobre os projetos e agendas dos candidatos são prejudicadas, dificultando a escolha dos eleitores.

Postagens contendo informações falsas ou enganosas sobre obras públicas frequentemente viralizam nas redes sociais. O Comprova já verificou um boato que atribuiu erroneamente a construção de uma ponte entre os estados do Acre e Rondônia apenas ao governo Bolsonaro, uma postagem que usou fotos de outras estradas para afirmar que o Exército realizou reparos na rodovia Transamazônica e uma sequência de imagens que conferiam ao governo Bolsonaro a responsabilidade sobre obras realizadas em governos anteriores.

Falso para o Comprova é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Política

Investigado por: 2020-08-27

Não há provas de que rompimento em barragem da transposição no Ceará tenha sido causado por sabotagem

  • Falso
Falso
O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho divulgou, no dia 1º de dezembro, os resultados da perícia sobre as causas do rompimento. O laudo atesta ser completamente infundada a alegação de que o rompimento teria sido provocado por tentativa de sabotagem com o uso de explosivos.
  • Conteúdo verificado: Postagens no Twitter e no Facebook que afirmam que o acidente na barragem de captação de águas do Rio São Francisco em Jati no Ceará foi sabotagem

Postagens em redes sociais como Facebook e Twitter sobre o rompimento de uma tubulação da barragem de Jati, no município homônimo, no sul do Ceará, em 21 de agosto, usam informações sem comprovação para afirmar que o dano foi provocado por uma bomba e que o caso é fruto de uma “ação de sabotagem”. Algumas publicações também dizem que a Polícia Federal (PF) está apurando o suposto atentado ao equipamento da transposição do São Francisco. A informação não é confirmada pela PF.

As causas do vazamento na barragem ainda estão sendo apuradas, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento Regional, responsável pela estrutura danificada. Portanto, não há como assegurar o que motivou a ocorrência. O órgão também não cogitou publicamente que o vazamento seja fruto de uma ação criminosa deliberada como um atentado a bomba.

O Comprova verificou que as imagens compartilhadas, em que aparecem os danos à barragem após o vazamento, são do local da ocorrência. Mas não encontrou evidências que confirmem as afirmações feitas nos textos que acompanham as imagens. Algumas publicações usam como fonte o deputado estadual do Ceará Francisco de Assis Cavalcante Nogueira (PSL), conhecido como Delegado Cavalcante. Ele afirmou em postagens e entrevista ter ocorrido uma sabotagem com explosivos no duto. A equipe do Comprova entrou em contato com a assessoria do deputado e foi informada de que “ele iria pensar se responderia”. Até a publicação desta checagem, não houve resposta.

O Comprova tentou falar com o perfil de Twitter @RaquelBlak que publicou conteúdo similar. Após a tentativa de contato, o tuíte foi apagado.

Atualização (em 2 de dezembro de 2020)

Após mais de três meses do vazamento na barragem de Jati, o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho divulgou, no dia 1º de dezembro, os resultados da perícia sobre as causas do rompimento. A perícia, segundo o Ministério, constatou que houve falha na montagem e operação das válvulas da barragem. Os erros são atribuídos pelo Governo Federal ao consórcio CMT/FAHMA, responsável pela operação do equipamento, à época do incidente.

O laudo reforça os argumentos que haviam sido levantados na verificação feita pelo Comprova, em agosto, e mais do que isso, atesta ser completamente infundada a alegação de que o rompimento teria sido provocado por tentativa de sabotagem com o uso de explosivos. “A perícia descartou a possibilidade de sabotagem na tubulação”, ressalta a nota do Ministério. Com isso, o Comprova mudou sua conclusão para Falso.

Como verificamos?

Por meio de busca reversa de imagens no Google e da ferramentas de monitoramento de redes sociais CrowdTangle, o Comprova pesquisou as primeiras postagens que sugerem a suposta sabotagem no rompimento do duto da barragem. As publicações mais antigas encontradas são do deputado estadual Delegado Cavalcante (PSL) que publicou as imagens e menciona em seu texto que havia indícios de sabotagem. O Comprova entrou em contato com a assessoria de Cavalcante para saber a fonte das suspeitas do parlamentar, mas não teve retorno até o fechamento dessa verificação.

Falamos com uma familiar de Raquel Blak,a titular de um dos perfis que publicou o conteúdo investigado, mas ela informou que Raquel não tinha interesse em conversar com a imprensa.

Em paralelo, a equipe procurou o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), a Secretaria de Recursos Hídricos do Ceará (SRH) e a Prefeitura de Jati (CE) para entender a competência sob o equipamento danificado e as medidas que foram tomadas após o incidente, bem como esclarecer se os órgãos públicos suspeitam de sabotagem no duto. Também questionou a Polícia Federal e o Ministério Público Federal no Ceará (MPF) sobre possíveis investigações em curso após a ocorrência. O Comprova também ouviu duas entrevistas do ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, e levantou informações sobre o evento em veículos de imprensa cearenses.

Por fim, ouvimos o engenheiro civil Antônio Nunes de Miranda, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e especialista em segurança de barragens, para entender que hipóteses técnicas poderiam explicar o rompimento da tubulação em Jati.

Verificação

Ocorrência

O vazamento foi registrado na tubulação de concreto da barragem de Jati, localizada em município de mesmo nome no sul do Ceará, no dia 21 de agosto por volta das 17h. Na ocorrência, segundo declaração do ministro Rogério Marinho, houve o rompimento de um duto que emite água para o Eixo Norte da transposição do São Francisco, em direção à Paraíba e ao Rio Grande do Norte.

Essa barragem faz parte do eixo inaugurado no dia 26 de junho pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e, além de ser um reservatório para as águas do Rio São Francisco, é o ponto inicial de outro projeto de transposição — o Cinturão das Águas do Ceará (CAC) — que é executado pelo Governo do Ceará com recursos da União. O trecho 1 do CAC, da qual a barragem de Jati faz parte, ainda está em fase de testes. A estrutura danificada integra a obra de competência federal. Após o ocorrido, Marinho disse que o vazamento foi em decorrência de “algum problema mecânico” no duto.

O rompimento ocorreu um dia após o ministro ter acionado a comporta que libera água da barragem de Jati para o Cinturão das Águas do Ceará. Nesta etapa do CAC, o eixo emergencial de 53 quilômetros deve assegurar segurança hídrica à Região Metropolitana de Fortaleza. A água correrá nos leitos dos rios Salgado e Jaguaribe até chegar ao Açude Castanhão, que abastece a capital e as cidades próximas. A estimativa dos governos estadual e federal é que cerca de 4,5 milhões de moradores sejam beneficiados pela obra.

No dia 21 de agosto, o governador do Ceará, Camilo Santana (PT), e o secretário dos Recursos Hídricos, Francisco Teixeira, foram a Jati. Na ocasião, Teixeira explicou que “na ombreira direita, tem uma tubulação que se inicia em concreto e depois um bloco, onde está a emenda da tubulação em concreto com a tubulação em aço. Então, parece que nessa emenda houve um rompimento, um vazamento da tubulação. Então, esse jato d’água é devido à pressão”. A água que jorrou causou um pequeno processo de erosão na barragem, mas não comprometeu a estrutura.

O vazamento foi contido algumas horas após a ocorrência. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Regional, havia uma dificuldade de avaliação técnica da estrutura por causa da falta de iluminação naquele momento. Em razão do rompimento, por medida preventiva, duas mil pessoas residentes no raio de dois quilômetros da barragem de Jati foram evacuadas na noite de sexta-feira e madrugada de sábado. O Ministério do Desenvolvimento Regional e o governo estadual afirmam que não houve danos estruturais à barragem.

Segundo o Ministério do Desenvolvimento Regional, o bombeamento no Eixo Norte da transposição foi temporariamente interrompido devido à ocorrência. O site do órgão informa que a “barragem Jati foi executada pela empresa Serveng-Civilsan, no período entre janeiro de 2013 e março de 2018”. No Portal da Transparência consta que o contrato da obra no lote 5 do Eixo Norte da transposição foi assinado pelo governo federal em outubro de 2012 e teve 15 aditivos no decorrer dos últimos anos. O custo da obra passou de R$ 518.070.114,88 para R$ 895.112.734,85.

A acusação

Nas redes sociais inúmeras postagens afirmam ter ocorrido uma sabotagem com explosivos no duto. As imagens compartilhadas, em que aparecemos danos à barragem após o vazamento são, de fato, do local da ocorrência. Mas os textos são inverídicos. Algumas publicações usam como fonte o deputado estadual Delegado Cavalcante.

A primeira menção de Cavalcante ao tema ocorreu no dia 22, durante a vistoria feita pelo ministro Rogério Marinho, em Jati. Em vídeo publicado no Facebook, Cavalcante aparece questionando o ministro sobre a hipótese de “sabotagem” ou “mão humana” no incidente, alegando que a obra hídrica era importante para a popularidade do presidente Jair Bolsonaro na região.

Na ocasião, o ministro respondeu que uma análise técnica deve indicar o motivo do rompimento. “Esse laudo é o que vai permitir, inclusive, que nós, enquanto Estado brasileiro, nos posicionemos para saber quem deu causa ao problema. E quem deu causa, certamente, vai ressarcir o Estado brasileiro. Então, pode ficar tranquilo porque nós vamos usar todos os meios aí para encontrar as causas e torná-las transparentes para todo mundo”, afirmou Marinho.

Apuração da ocorrência

Em entrevista à CNN no dia 22, o ministro Rogério Marinho disse que uma análise técnica identificará em até 40 dias se houve erro na engenharia, na execução ou no material usado na obra. O ministro não citou bombas ou suspeita de sabotagem. “A pressão da água de alguma forma desregulou o sistema, deve ter fechado o duto embaixo e isso explodiu a tubulação de cimento”, disse.

Perguntada por e-mail pelo Comprova sobre a suspeita de uso de bomba, a assessoria do Ministério do Desenvolvimento Regional retornou com uma nota que se limita a detalhar os pedidos de avaliação técnica do caso.

Segundo o texto, em 24 de agosto, o ministério solicitou às empresas responsáveis pela execução testes e comissionamento da obra que “relatórios técnicos sejam apresentados até o dia 28 de agosto sobre cada etapa de funcionamento desde a última quinta-feira (20), quando foram abertas as comportas”.

O ministério diz que só com os relatórios feitos pelas empresas envolvidas na Barragem Jati será possível avaliar as causas do rompimento. O órgão também afirmou que irá contratar uma consultoria independente, com definição até esta sexta-feira, 28 de agosto.

Nas postagens também consta que a suposta sabotagem estaria sendo investigada pela Polícia Federal. Procurada pelo Comprova, a prefeita de Jati, Maria de Jesus Diniz (PSD), se limitou a dizer que agentes da PF estiveram na cidade para uma investigação.

Questionada sobre a suspeita de bomba, a PF respondeu ao Comprova que “não divulga a existência ou não de possíveis investigações em andamento”. O órgão ainda complementa que “qualquer informação que circule nas redes sociais em nome da Polícia Federal que não tenha partido de nossos canais oficiais é de total responsabilidade de quem a divulgou.”

Por envolver o uso de recursos federais, o Comprova também contactou, via e-mail, o Ministério Público Federal no Ceará para saber se o órgão foi acionado para desenvolver ou abriu alguma investigação sobre o suposto atentado a bomba. A assessoria de Comunicação Social do MPF informou, que “realizou levantamento não identificando, até a presente data, procedimento instaurado ou representação (denúncia) recebida pela instituição sobre suposta sabotagem à barragem em Jati”.

Embora a estrutura danificada seja de competência da gestão federal, o Comprova consultou também à Secretaria de Recursos Hídricos do Ceará sobre o assunto. O órgão foi questionado, via e-mail, se acompanhou os desdobramentos da situação após o rompimento da estrutura e se é possível apontar hipóteses do que tenha provocado a ocorrência. Além disso, a SRH foi indagada se solicitou alguma investigação oficial sobre um suposto uso de bomba na estrutura que teria provocado uma explosão local.

Por e-mail, a SRH reitera a competência do governo federal sobre a estrutura afetada e diz que “cabe ao Governo Federal qualquer investigação”. A nota também afirma que o secretário dos Recursos Hídricos, Francisco Teixeira, esteve no local e “descarta completamente a hipótese de atentado”. O texto acrescenta que “o mesmo, que é engenheiro e atua no serviço hídrico há várias décadas, garante que o acontecido foi um evento isolado ocorrido em função de algum problema de projeto, execução da obra ou operação”.

A secretaria também informou que o rompimento da estrutura não afetou o cronograma do Cinturão das Águas, que segue em fase de testes.

Análise técnica

O Comprova também entrevistou por telefone, o engenheiro civil, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e especialista em segurança de barragens Antônio Nunes de Miranda. Ele explica que a avaliação para apontar as causas desse tipo de ocorrência, geralmente, dura cerca de um mês. Na inspeção, são analisadas as estruturas de controle da água. “No caso lá de Jati, existe uma válvula dispersora e uma válvula de controle. Esses dois equipamentos é que deixam a água passar. No final da tomada de água, onde forma o chamado véu de noiva, aquela água como um jato, há válvula dispersora. Então, se houver algum problema ali, isto pode ser uma das causas”, aponta.

Antônio menciona alguns possíveis motivos para o ocorrido. Um deles, um defeito de funcionamento na tubulação e nas válvulas, que não é comum “porque são equipamentos muito robustos, próprios para durar muito tempo e para não dar problemas”. Outra possibilidade é de ordem operacional: a válvula pode ter sido fechada bruscamente. Isso geraria acúmulo de água, o que resultaria em estrangulamento de uma parte mais sensível da tubulação. O controle de válvulas geralmente é automatizado. Um erro na operação pode ocorrer, mas, na análise do engenheiro, também é raro.

Outra hipótese é que algum entulho, madeira ou resto de obra, tenha ficado na tubulação e provocado a obstrução da água, o que resultaria no estouro. Além disso, ele pondera que no final da tubulação em concreto há uma ancoragem no tubo de aço — para fazer a mudança de direção do fluxo da água — e esse bloco pode ter sofrido um rebaixamento. “Se tiver ocorrido, pode afetar a tubulação de concreto e provocar a ruptura”, completa.

O fenômeno que provavelmente ocorreu na barragem, segundo Antônio, é chamado na engenharia de “golpe de aríete”. Na prática é a resposta da água quando vem se deslocando em uma tubulação de grande extensão e algo a obstrui de repente. “É como se fosse um trem em alta velocidade que você parasse a locomotiva bruscamente. Os outros vagões vão se amontoar, pode engavetar. O mesmo acontece com a água. Quando você veda a tubulação de repente, toda aquela água que estava se deslocando para e cria uma onda de pressão que volta no sentido contrário ao fluxo. Essa onda pode destruir um ponto fraco da tubulação”.

O engenheiro acha improvável o ato ter sido sabotagem. O “golpe de aríete” não é um fenômeno comum, mas é muito estudado na engenharia, que trabalha justamente para evitar que ocorra. Até a causa ser descoberta, a tubulação não pode ser consertada. Os reparos que estão sendo executados em Jati são do “pé da barragem”, que sofreu pequena erosão devido o jato de água.

Por que investigamos?

Nesta terceira fase do Comprova, o projeto retomou o monitoramento e a investigação de conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal de ampla repercussão em redes sociais. As publicações verificadas são sobre a maior obra de infraestrutura hídrica do país, o Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF). Por isso, checar a veracidade desse conteúdo é tão relevante.

Desde que o trecho Leste foi inaugurado pelo presidente Jair Bolsonaro, em junho diversos boatos surgiram nas redes sociais. O Comprova já mostrou recentemente ser falso um vídeo que sugeria que o Governo do Ceará havia “sabotado” o canal da transposição inaugurado por Bolsonaro; que o Exército não refez todo o trecho da transposição do São Francisco inaugurado por Temer e Lula e que não há indícios de que a família Gomes tenha negócios no setor de transporte de água, sendo prejudicada pela inauguração da obra da transposição.

A desinformação sobre o ocorrido em Jati é prejudicial porque, além da ausência de fundamentação, impulsiona teorias conspiratórias e gera na sociedade um clima de desconfiança sobre o funcionamento de uma obra tão expressiva. A transposição do Rio São Francisco sofre grandes atrasos de entrega, e um dano a sua estrutura deve ser apurado com seriedade e resolvido de forma mais ágil e eficaz.

As publicações falsas sobre o tema ultrapassam 20 mil compartilhamentos. O tuíte do perfil @MBColunista foi compartilhado 2,5 mil vezes. Conteúdo semelhante teve 3,7 mil compartilhamentos em um dos perfis pessoais verificados pelo Comprova.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Política

Investigado por: 2020-08-24

É falso que repórter tenha falado em visitar filha de Bolsonaro na cadeia

  • Falso
Falso
Trecho de um vídeo que mostra a ameaça do presidente a um repórter de O Globo está sendo compartilhado com uma legenda falsa para impor uma outra versão ao episódio
  • Conteúdo verificado: Vídeo do episódio em que Bolsonaro ameaça repórter do jornal O Globo com uma legenda que muda a narrativa do caso para mostrar que o presidente foi atacado pelo jornalista antes de responder.

O vídeo no qual o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) se irrita e ameaça agredir um repórter do jornal O Globo foi compartilhado no Twitter com uma falsa legenda para sugerir que Bolsonaro teria sido provocado pelo profissional antes de atacar. Segundo essa versão, o jornalista teria dito: “Vamos visitar sua filha na cadeia”. Isso não aconteceu.

Embora a legenda afirme se tratar de uma provocação ao presidente, o áudio permite ouvir que a frase dita foi: “Vamos visitar nossa feirinha na catedral, presidente”. Quem faz o convite é um homem que está no meio das pessoas que seguem o presidente. O episódio ocorreu durante visita de Bolsonaro à Catedral Metropolitana de Brasília neste domingo, 23.

A versão falsa está viralizando nas redes sociais e foi publicada também por blogs como Terra Brasil Notícias e Senso Incomum, que, posteriormente, reconheceram a divergência – o último tirou o conteúdo do ar. O próprio presidente e seu filho, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), compartilharam um vídeo do incidente – sem a legenda falsa, mas com a descrição: “E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”, em referência a um versículo bíblico utilizado pelo presidente em contexto eleitoral.

Como verificamos?

Fazendo uma busca pelas palavras Bolsonaro e cadeia no TweetDeck, chegamos a um post que questiona o ataque do presidente publicado em um perfil no dia 23, às 23h09. Segundo o TweetDeck, o post era um fio (thread), mas, ao entrar na página pelo Twitter, havia apenas a postagem inicial, que dizia: “Um homem que ver (sic) sua mulher sendo injustiçada, acusada, sendo exposta… Resolve assim! ‘Minha vontade é encher tua boca na porrada’ Pq Bolsonaro é homem!!! Cabra macho. Passar Bem”. Em resposta a um usuário, que alerta que a voz não teria falado sobre uma visita à cadeia e, sim, sobre um convite para o presidente ir à feirinha da catedral, a autora diz que apagou o vídeo. Assim, não foi possível encontrar quem postou o vídeo com a legenda falsa pela primeira vez.

Fizemos novas buscas e encontramos o perfil de @SamPancher, que postou o vídeo às 16h56 do dia 23. Em sua publicação, ele legenda apenas o trecho em que o presidente insulta o repórter – “Vontade de encher sua boca com a porrada, tá? Seu safado”. Por mensagem, Samuel Pancher, dono do perfil, nos informou seu telefone e fizemos uma entrevista com ele.

Pancher não soube informar quem gravou as imagens, mas pela plataforma InVid é possível verificar que o vídeo postado por Bolsonaro é o mesmo que ele postou.

Consultamos ainda reportagens publicadas no dia anterior, em que veículos afirmaram terem presenciado a agressão de Bolsonaro. A redação do Globo publicou o áudio gravado por seu repórter (para assinantes) envolvido no incidente. Ao ouvi-lo, é perfeitamente possível concluir que ninguém falou em visitar a filha do presidente na cadeia.

Verificação

Como foi?

Bolsonaro estava fazendo uma visita à Catedral Metropolitana de Brasília no domingo (23), quando foi interpelado por um grupo de repórteres. Um profissional do jornal O Globo questionou o presidente sobre repasses de R$ 89 mil feitos por Fabrício Queiroz, ex-assessor de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), à primeira-dama Michelle Bolsonaro. Os documentos fazem parte de uma investigação sobre suposta prática de rachadinha envolvendo o filho mais velho do presidente.

Além dos repórteres, o presidente era seguido por apoiadores. Uma das pessoas que estava ao seu redor gravou um vídeo com a resposta do presidente, que ameaçou o jornalista: “Vontade de encher tua boca de porrada”. Questionado por outros repórteres se isso seria uma ameaça, não comentou.

O assunto foi um dos mais comentados no Twitter no domingo. Usuários postaram a pergunta feita pelo repórter como forma de pressionar o presidente e se posicionar de forma contrária à agressão verbal.

Apoiadores do presidente

Amparando-se nesta versão falsa, ao menos uma dezena de sites publicou matérias acusando o repórter de ameaçar o presidente. O blog Senso Incomum publicou o texto “Checamos: Bolsonaro respondeu a repórter que disse ‘Vamos visitar sua filha na cadeia’”.

A versão com a legenda falsa se refere à filha de 9 anos do presidente com Michelle.

O texto já foi retirado do ar, e nas redes sociais o site afirmou: “Apagamos o post sobre a fala do presidente, já que alguns internautas ouviram ‘visitar nossa feirinha na catedral’, e não ‘filha na cadeia’, como entendemos. Reafirmamos que sempre cobramos Flávio Bolsonaro sobre Queiroz e comemoramos sua quebra de sigilo que ensejou sua prisão.”

O blog Terra Brasil Notícias, por sua vez, mantém no ar o texto “Vídeo: repórter ataca filha de Bolsonaro e presidente reage; ‘vontade de encher sua boca de porrada’”. O portal publicou um segundo texto com uma errata na qual reconhece que “o repórter de O Globo não se dirige para a filha do presidente Jair Bolsonaro. A reação de Bolsonaro é por conta da insistência do jornalista em indagar sobre um suposto envolvimento da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, com o caso Queiroz”.

Perfis nas redes sociais seguiram técnica semelhante: postaram o vídeo e depois apagaram, mas continuaram afirmando que o presidente foi atacado e estava se defendendo. Desta forma, o conteúdo viralizou sem a inclusão da gravação.

Marca d’água

No vídeo postado pelo presidente há uma marca d’água que aparece embaçada, mas é possível verificar ser a de @SamPancher, um dos primeiros perfis a publicar o vídeo no Twitter – sem a legenda falsa. Em entrevista ao Comprova, Samuel Pancher, estudante de jornalismo paulista, disse que costuma publicar conteúdos relacionados ao presidente e que, por isso, recebe mensagens de seguidores com sugestões de conteúdos para postar. Pancher contou que apenas recebeu o vídeo e legendou a fala do presidente. “Não sabia que iam pegar o que o ambulante falou para criar uma narrativa”, afirmou. “Eu me preocupei em legendar (apenas) o que ele (Jair Bolsonaro) falou.”

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova verifica a veracidade de conteúdos suspeitos sobre as políticas públicas do governo federal que viralizam nas redes sociais. O vídeo que deu origem a esta investigação foi visto 4,7 mil vezes e compartilhado 57 vezes no Twitter até 24 de agosto. Um dos textos com o mesmo conteúdo, o do site Terra Brasil Notícias, foi compartilhado 849 vezes no Facebook. Na página de Bolsonaro, o vídeo (sem a legenda falsa) teve mais de 120 mil visualizações e 18 mil likes até a data.

Esse conteúdo também foi checado por Aos Fatos, Fato ou Fake, Poder 360 e Estadão, que também concluíram que a legenda é falsa.

Falso, para o Comprova, é todo o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Política

Investigado por: 2020-08-20

Post tira de contexto frase de Damares sobre abuso infantil

  • Enganoso
Enganoso
A frase é verdadeira mas a postagem omite o contexto. O trecho foi retirado de uma entrevista concedida à BBC na qual a ministra Damares Alves dizia que mulheres vítimas de abuso sexual na infância não deveriam acreditar no discurso do abusador de que elas são culpadas por aqueles atos
  • Conteúdo verificado: Post no Facebook atribui à ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) a seguinte afirmação: “tem abuso que é prazeroso para a criança, porque o pedófilo sabe como tocar, onde tocar”.

Postagem feita no Facebook omite o contexto de uma fala de Damares Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, em 2019. Ao afirmar que “tem abuso que é prazeroso para a criança”, a ministra tentava incentivar mulheres vítimas de abuso sexual na infância a não acreditarem no discurso do abusador de que elas são culpadas por aqueles atos. Sem essa informação, muitos dos leitores acreditaram que Damares havia tentado justificar o abuso de crianças.

“Nem sempre o abuso é como no meu caso, com dor, com sangue, com violência. Tem abuso que é prazeroso para a criança, porque o pedófilo sabe como tocar, onde tocar, e às vezes desperta prazer. O nosso corpo foi feito pelo prazer. Eu encontro muitos adultos, especialmente mulheres, que se sentem culpadas porque sentiram prazer. Eu digo que não se sintam culpadas, eram crianças e não tinham controle sobre seus corpos”, afirmou a ministra em entrevista para a BBC Brasil, publicada em 18 de dezembro de 2019.

Após o conteúdo viralizar, Damares cobrou pelo Twitter que a fala fosse colocada no seu contexto original.

Como verificamos?

Primeiramente, fizemos uma busca no Google pela frase que foi postada no Facebook ao lado do nome da ministra Damares Alves, o que nos levou ao link da entrevista dela à BBC Brasil. Depois, utilizamos a busca reversa de imagem para tentar saber se a montagem já havia sido postada antes nas redes sociais. O resultado dessa pesquisa foi uma publicação da própria ministra no Twitter em que ela explica o contexto da afirmação e dá o link onde é possível assistir à íntegra da entrevista para a BBC Brasil. Por fim, tentamos contato com o responsável por postar a frase no Facebook, mas não tivemos retorno até o fechamento dessa verificação.

Verificação

A frase que viralizou foi retirada de uma entrevista de mais de 30 minutos, concedida pela ministra à BBC Brasil em dezembro de 2019. Dentre vários assuntos abordados, Damares foi questionada sobre o abuso sexual que sofreu quando tinha 10 anos. O vídeo com a íntegra da entrevista está disponível no YouTube. Aos 26 minutos e 2 segundos, a ministra fala sobre o combate à exploração sexual de crianças. “O cara que abusou de mim aos seis anos olhou nos meus olhos e disse que o seduzi, que eu era culpada, e me fez sentir culpada por anos. A culpa me levou à tentativa de suicídio. Ele dizia que eu era suja, imunda e pecadora”, responde a ministra, visivelmente emocionada. “É isso que eles fazem, o abusador destrói sonhos, interrompe o destino. E hoje, no Brasil, fica-se culpando meninas e meninos. A criança não é culpada”, argumenta.

É nesse contexto em que Damares afirma que, em alguns casos, há um elemento adicional que faz com que as pessoas se sintam culpadas: o fato de elas terem sentido prazer. Segundo a ministra, alguns abusos provocam dor, mas em outros a pessoa é capaz de sentir prazer por questões fisiológicas. E reforça que essa reação não significa consentimento: “Eu digo que não se sintam culpadas, eram crianças e não tinham controle sobre seus corpos”.

O assunto voltou a viralizar no momento em que ganhou repercussão nacional o caso de uma menina de dez anos de idade, do Espírito Santo, que engravidou após ser abusada sexualmente por um tio desde os seis. Ela conseguiu interromper a gravidez, apesar da pressão de grupos contrários ao aborto, que fizeram tumulto em frente à unidade de saúde em que o procedimento foi realizado, no Recife.

Em seu perfil no Twitter, Damares explicou que falava sobre as dificuldades de identificar os casos de violência sexual contra crianças, já que elas nem sempre demonstram sinais claros de sofrimento ou percebem o quanto a situação é abusiva. Segundo a ministra, é preciso que os pais não tenham vergonha de conversar com as crianças sobre abusos sexuais desde cedo para protegê-las. Ela também pediu às pessoas que tenham conhecimento de casos de abuso infantil que denunciem por meio do Disque 100, do aplicativo Direitos Humanos Brasil ou do site do ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.

Por que investigamos?

O Comprova verifica a veracidade de conteúdos suspeitos sobre as políticas públicas do governo federal que tenham viralizado nas redes sociais. É o caso da postagem feita por um perfil no Facebook, que teve 1,5 mil interações. A imagem foi compartilhada em páginas contrárias ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A publicação levou vários internautas a criticarem Damares, acreditando que ela estaria justificando o abuso sexual de crianças.

Desde que o caso da garota de dez anos ganhou repercussão nacional, o tema do abuso sexual de crianças e o debate sobre o aborto legal no Brasil voltaram à agenda pública. Desde 2014, o país registrou 1.284 casamentos de meninas menores de 15 anos. Ao mesmo tempo, só no primeiro semestre de 2020, o Sistema Único de Saúde (SUS) já realizou 80,9 mil procedimentos após abortos mal sucedidos, além de pouco mais de mil interrupções de gravidez previstas em lei.

O Estadão Verifica checou a mesma frase e concluiu que ela estava fora de contexto.

Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado ou que confunde, com ou sem a intenção de causar dano.

Política

Investigado por: 2020-08-06

Post engana ao sugerir que ponte entre Acre e Rondônia é obra apenas do governo Bolsonaro

  • Enganoso
Enganoso
A obra sobre o rio Madeira, que tem como prazo atual de inauguração o fim de 2020, foi iniciada em 2014, ainda no governo Dilma Rousseff.
  • Conteúdo verificado: Em post no Twitter, perfil compartilha vídeo de motociclistas em ponte inacabada entre o Acre e Rondônia e insinua que a obra estaria pronta e teria sido realizada apenas pelo governo Bolsonaro

Um post publicado por @humbertovivian no Twitter engana ao insinuar que a construção da ponte sobre o rio Madeira, que ligará o Acre a Rondônia, foi feita apenas na gestão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A obra teve início em 2014, ainda no governo de Dilma Rousseff (PT). Em dezembro de 2018, um mês antes de Jair Bolsonaro assumir a presidência, as obras da ponte já estavam 85% concluídas. A publicação ainda dá a entender que o projeto já está finalizado, mas a previsão de entrega é para o fim deste ano.

A postagem vem acompanhada de um vídeo em que um grupo de motociclistas aparece em cima da ponte ainda em construção. Em um trecho, eles insinuam que forçaram a entrada: “Os caras disseram assim: ‘rapaz, se tu não deixar ‘nós’ entrar (sic), nós vamos entrar’”. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), vinculado ao Ministério da Infraestrutura, afirmou que não está autorizada a passagem de veículos e investigará o caso.

O Comprova conseguiu falar com Solano Henriques, responsável pela publicação no YouTube de um conteúdo muito semelhante ao da postagem no Twitter. Por e-mail, ele disse ter recebido o vídeo e as informações por um grupo de WhatsApp. Humberto Ramos não respondeu aos contatos.

Como verificamos?

O Comprova procurou no Twitter outras postagens com o vídeo e conteúdo semelhante. Ao todo, 34 contas publicaram as imagens até 6 de agosto, incluindo o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho de Jair Bolsonaro. Todos os posts foram feitos depois da publicação de @humbertovivian.

O senador Flávio Bolsonaro (PSL) e o secretário-executivo do Ministério da Infraestrutura, Marcelo Sampaio, que também fizeram publicações nas redes sociais com o vídeo, não responderam aos contatos.

Pela ferramenta CrowdTangle, buscamos no Facebook a publicação mais antiga do vídeo dos motociclistas e um conteúdo semelhante. As primeiras postagens foram feitas em 4 de agosto, um dia depois de Humberto Ramos publicar o conteúdo no Twitter, nas contas “Direita Vive Brasil”, “Bolsonaro Presidente Pátria Amada Brasil”, “Tulio Isac” e “Brasil Sem Corrupção”.

Entramos em contato por e-mail com o Ministério da Infraestrutura e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes para colher informações sobre o andamento da obra. Também por e-mail falamos com Solano Henriques, responsável pela postagem do conteúdo no YouTube.

Verificação

O Comprova não conseguiu identificar quem são os motociclistas que aparecem no vídeo do post verificado. Na gravação, um deles é identificado como Giovani e diz que o grupo se chama “01”.

Enviamos uma mensagem pelo Twitter para Humberto Ramos, mas não obtivemos resposta até o fechamento deste texto. Solano Henriques, responsável pela publicação do material no YouTube, afirmou por e-mail que havia recebido o vídeo por WhatsApp e disse que não sabe quem são os motociclistas.

Questionado, o Dnit disse que a ponte ainda não está liberada para veículos. O órgão declarou que a entrada do grupo não foi autorizada e que irá apurar o que aconteceu.

A ponte do Abunã

O projeto da ponte começou ainda no governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2014. Em março daquele ano, ela anunciou o plano de construção durante uma visita ao Acre. O estado sofria os impactos de uma cheia do rio Madeira, que deixou a BR-364 inundada. A rodovia é a única ligação terrestre do estado com Rondônia.

A construção da ponte teve início com os recursos vindos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e tinha entrega prevista para 2017, com investimento inicial de R$ 128 milhões. As datas de conclusão, no entanto, sofreram mais de uma alteração, passando pelas gestões Dilma, Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (sem partido).

Em contato com o Comprova por e-mail, o Dnit afirmou que o novo prazo de entrega será no fim deste ano.

Governo Bolsonaro

Em dezembro de 2018, um mês antes de Jair Bolsonaro assumir a presidência, 85% das obras da ponte sobre o rio Madeira já estava terminada. “Até março será finalizada a parte de concreto. Até agosto de 2019, a gente irá finalizar os encabeçamentos”, disse o então superintendente do Dnit-RO, Cláudio André Neves.

Em reportagem de 5 de junho de 2019, a TV Globo registrou que o Ministério da Infraestrutura havia dado garantias ao Dnit em relação aos recursos para a conclusão da obra. Naquele momento, o prazo de entrega era final de 2019 e os trabalhos estavam 95% concluídos. O anúncio foi feito pelo ministro Tarcísio Gomes em agosto do ano passado.

O prazo foi alterado mais uma vez por problemas no lado de Rondônia. Por ser uma região alagada, seria necessário um aterro maior do que o calculado no início do projeto da ponte.

“No total serão cravadas 145 estruturas metálicas que servirão de base para suportar as demais estruturas que serão construídas, principalmente, a fundação do elevado em concreto da ponte. Com aproximadamente 460 metros, esse prolongamento da estrutura, além de um aterro de 1.400 metros, com até 10 metros de altura, foi a solução encontrada pelos técnicos da Autarquia para solucionar o problema do trecho de solo mole encontrado e que exige uma complexa solução de engenharia”, disse o Dnit, por e-mail.

Apesar dos problemas, o órgão afirmou que o cronograma segue com previsão de entrega no final de 2020 e “sem risco de paralisação”.

Sonho de 50 anos?

O post investigado diz que “50 anos depois, o governo Bolsonaro realiza o sonho dos acreanos”. Em dezembro do ano passado, Assuero Veronez, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Acre (FAEAC), também disse que o projeto era um sonho de 50 anos. O Comprova não encontrou registros de alguma promessa de obra feita nos anos 1970 que pudesse justificar a afirmação.

Em contato com o Comprova, Solano Henriques, responsável pela publicação do vídeo no YouTube e que também usou a expressão “sonho de 50 anos” na descrição, disse que a informação veio de um grupo de WhatsApp de ex-militares do Exército: “A mensagem veio junto com o vídeo e não tive motivos para duvidar”.

O próprio governador Gladson Cameli (Progressistas) afirmou, no ano passado, que a construção da ponte representava “um sonho antigo dos acreanos”. “Se é a maior realização para o povo acreano, logo, é a minha também, pois trará as melhores perspectivas de desenvolvimento que tanto sonhamos”.

O texto da agência de notícias do governo do Acre afirma que a construção da ponte foi uma promessa de campanha de Cameli, quando se elegeu senador em 2015, “e a luta por sua construção iniciou quando ele ainda era deputado federal”.

Por e-mail, a equipe do governador disse que a obra ajudará as negociações do Acre com outros estados e países. “Muitos políticos e a sociedade sonham com a ligação direta entre os estados do Acre e Rondônia há décadas, o que de fato favorece em muito os negócios para o estado do Acre, que tem uma logística estratégica com o Peru por meio da Rodovia Interoceânica (Estrada do Pacífico). Até hoje, o uso de balsas como transporte entre as duas cabeceiras faz com que se perca, em média, uma hora para carros de passeio, ônibus e caminhões com os mais variados insumos”. [Atualização: este parágrafo foi incluído em 7 de agosto para incorporar mensagem recebida do governo do Acre]

Durante o evento que marcou o início das obras da ponte, o então governador Tião Viana (PT) afirmou que o projeto era uma luta sua desde 1999, quando, segundo ele, liberou emendas para a construção, mas não teve apoio do governo de Rondônia, na época sob a gestão de José Bianco, então filiado ao PFL.

Por que investigamos?

O Comprova checa informações sobre políticas públicas do governo federal e sobre a pandemia de covid-19 que tenham viralização nas redes sociais. O post de Humberto Ramos teve 8,5 mil visualizações no Twitter até 6 de agosto. No YouTube, a publicação de Solano Henriques, com conteúdo semelhante, atingiu pouco mais de 1,1 mil visualizações.

O mesmo vídeo foi publicado pelo senador Flavio Bolsonaro (PSL) e o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos). As postagens deles, no entanto, diferem dos outros dois ao deixar claro que a conclusão da obra está prevista para o fim de 2020. Ainda assim, dão a entender que a obra foi feita apenas na gestão Bolsonaro. A publicação de Carlos teve 69 mil visualizações e a de Flávio, 134 mil.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado de forma a induzir a uma interpretação diferente, que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar danos.

Política

Investigado por: 2020-07-31

Publicações enganam ao associar Bolsonaro à aprovação de verba para filme sobre sua eleição

  • Enganoso
Enganoso
Ancine aprovou em 2019 a captação de 530 mil reais para a realização de um filme que trata da eleição de Bolsonaro, mas não liberou recursos diretos para o documentário como dão a entender duas postagens investigadas pelo Comprova
  • Conteúdo verificado: Informação compartilhada no Twitter e no Facebook afirma que Bolsonaro teria liberado, via Ancine, 530 mil reais para a produção de um filme sobre ele mesmo.

Duas postagens sobre liberação de verbas da Ancine para um documentário sobre o presidente Jair Bolsonaro trazem informações falsas ou enganosas. Em uma delas, o perfil de Twitter @r_camilotti afirma que “Bolsonaro, via Ancine, libera 560 milhões para um filme sobre ele”. Essa informação é falsa. Na outra, no Facebook, o deputado José Guimarães (PT-CE) publicou uma imagem com o texto “Ancine libera 530 mil para documentário sobre Bolsonaro”. Essa informação é enganosa. O que a Agência Nacional do Cinema (Ancine) de fato liberou foi a captação de recursos, por meio da Lei do Audiovisual, para uma produção que pretende retratar os movimentos políticos do país desde 2013 até a eleição de Bolsonaro.

A aprovação para a captação ocorreu em julho de 2019 e não direciona verbas diretamente para o filme: o investimento é indireto, oferecendo aos interessados em contribuir com o filme a possibilidade de deduzir o valor das doações no Imposto de Renda (IR). Além disso, a aprovação ou não de verbas pela Lei do Audiovisual é feita por uma equipe técnica – e não passa pelo crivo direto de Bolsonaro. O presidente, inclusive, se posicionou contra a utilização da verba para a produção do filme.

Como verificamos?

A partir do texto utilizado na postagem de Guimarães, o Comprova utilizou a ferramenta CrowdTangle para rastrear se o post era novo ou se repetia conteúdo propagado por terceiros. Também foram feitas buscas no site da Ancine, com a qual entramos em contato por e-mail, e no Diário Oficial da União. Entrevistamos o cineasta Josias Teófilo, responsável pelo projeto do documentário, e enviamos mensagens ao deputado José Guimarães, que não nos retornou até a publicação desta investigação.

Realizamos buscas em veículos de imprensa para conferir declarações e ações de Bolsonaro a respeito da Ancine.

Verificação

A primeira postagem mencionando que Bolsonaro teria liberado R$ 530 mil para a produção um filme sobre ele foi compartilhada em 23 de julho pela página Ciro da Massa no Facebook. A descrição a identifica como “página voluntária em apoio ao Projeto Nacional de Desenvolvimento do PDT, liderado por Ciro Gomes”, e o perfil apresenta mensagens de apoio ao pedetista. Enviamos uma mensagem para a página para saber de onde surgiu a informação, mas não obtivemos retorno até a publicação desta investigação.

Em 26 de julho, publicação similar foi compartilhada pelo deputado federal Guimarães. Na descrição, o parlamentar afirma que o governo pretendia usar “dinheiro público da cultura para promover Bolsonaro”. Ele citou como fonte uma notícia do UOL, de 24 de julho do ano passado, dizendo que filme sobre eleição de Bolsonaro recebeu aprovação da Ancine para captar R$ 530 mil para sua produção.

Questionamos o deputado, por mensagem no WhatsApp, se o caso teve novas atualizações ou se ele estava apenas republicando uma informação antiga. Ele não nos retornou até a publicação deste texto.

O que foi omitido pela postagem é que a matéria do UOL cita aprovação para captar recursos, e não para financiar, diretamente, a produção do filme. O texto credita o projeto ao cineasta Josias Teófilo, que chegou a anunciar a aprovação da Ancine em redes sociais. Em uma página criada para o projeto no Twitter, ele é identificado como “documentário ensaístico sobre os desdobramentos políticos das Jornadas de Junho de 2013 que culminaram na eleição de Jair Bolsonaro”.

Já o perfil que fez a postagem do Twitter afirmando que Bolsonaro liberou R$ 560 milhões para a produção, pouco depois, publicou outro post corrigindo as cifras e afirmando se tratar de R$ 560 mil, valor ainda errado, mas mais próximo do autorizado para captação.

Como funciona a captação da Lei do Audiovisual?

A Lei do Audiovisual (8.685/93) não libera recursos para a produção de obras; o que ela faz é autorizar que eles sejam captados por um determinado projeto por meio de patrocínios e investimentos, segundo explicação no site da Ancine. Desta forma, os projetos se submetem à aprovação da Ancine e, caso liberados, podem buscar apoio de terceiros.

A vantagem prevista na lei é que quem estiver disposto a investir ou patrocinar projetos audiovisuais aprovados pela Ancine pode deduzir do Imposto de Renda (IR) os valores direcionados à produção das obras audiovisuais. O abatimento não pode passar de 6% do total declarado no IR de pessoas físicas e nem de 4% no caso de pessoas jurídicas.

Ou seja: o órgão não injeta recursos públicos diretamente na produção, mas permite que o contribuinte possa abater o valor de tributos pagos ao Estado.

Houve aprovação para a captação de um projeto associado a Bolsonaro?

Segundo a matéria do UOL, a aprovação para captação de recursos foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) em 31 de maio de 2019. O Comprova confirmou, na edição do dia, a autorização obtida pelo projeto de Teófilo para captar R$ 530.100 por meio da Lei do Audiovisual.

Procurada por e-mail, a Ancine enviou o link de uma página do site da instituição com as informações sobre a produção de Teófilo. Entre maio e dezembro de 2019, período aprovado para captação, o projeto conseguiu captar R$ 78 mil pela Lei do Audiovisual. Em entrevista ao Comprova, Teófilo confirmou os valores, mas disse que o órgão ainda não liberou o dinheiro. “O filme está sendo montado. Captou R$ 78 mil mas não conseguimos liberar ainda o dinheiro”, disse.

Teófilo alega que o filme não será produzido apenas com os recursos da lei, mas também através de financiamento coletivo, disponível no site oficial da produção. De acordo com o site do projeto, foram arrecadados mais de R$ 70 mil até o momento.

“O filme trata das manifestações de junho de 2013, do impeachment de Dilma, da ascensão da nova direita e da eleição de Bolsonaro. É dividido em cinco partes, a quinta parte trata da eleição de Bolsonaro. Ainda não temos sinopse”, resumiu ele por e-mail.

Em entrevista ao Canal Contracapa, concedida em 27 de julho deste ano, Teófilo declarou que optou por utilizar a lei do incentivo para que as pessoas da direita entendam “que não existe cinema sem lei de incentivo”. O cineasta disse que previa a polêmica em torno do financiamento e ressaltou que isso é ótimo para o projeto. “Quando as pessoas estão debatendo o filme, é sinal que você ganhou”, declarou.

Bolsonaro se opôs ao projeto e defende extinção da Ancine

Questionado pelo Comprova se obteve a liberação diretamente de Bolsonaro, Teófilo negou envolvimento do chefe do Executivo na decisão.

“Não é verdade que Bolsonaro liberou via Ancine. Os projetos da Lei do Audiovisual são aprovados por uma comissão técnica composta por funcionários de carreira. Bolsonaro inclusive se opôs publicamente à aprovação na Ancine desse projeto – ele pensava que o filme era sobre ele, ou sobre sua campanha”, afirmou no e-mail.

Em live nas redes sociais, Bolsonaro declarou ter sugerido à Ancine que recuasse na decisão de autorizar a captação de recursos para o filme. “Não queremos filmes de políticos com dinheiro público. O poder público não deve se meter a fazer filme. O estado vai deixar de patrocinar”, disse o presidente no dia 25 de julho de 2019.

Naquela mesma época, Bolsonaro disse que pretendia impor um filtro à Ancine, acabar com a agência ou privatizá-la. Ele reclamou do financiamento de diversos filmes nacionais, incluindo o longa “Bruna Surfistinha”, de 2011, que alegou ter “fins pornográficos”. Pouco depois, anunciou um corte de quase 43% no orçamento destinado ao Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), tentou transferir a sede da Ancine para Brasília e indicou um pastor e uma produtora ligada a filmes cristãos para a diretoria do órgão.

O que diz a Ancine?

Procurada pelo Comprova, a Ancine declarou que “dados sobre projetos aprovados para captação de recursos estão disponíveis no Portal Ancine” e indicou o link para a consulta pública do projeto “Nem Tudo se Desfaz”. O site mostra que, assim como relatado por Teófilo, foram captados R$ 78 mil para a produção. No entanto, o órgão não respondeu se o dinheiro já havia sido liberado para uso pelo cineasta.

Outros filmes

A produção de Teófilo não é a primeira nacional a ter aporte indireto de recursos com temáticas relacionadas à política. O filme “Polícia Federal: A Lei É para Todos”, que conta como se iniciou a Operação Lava Jato e seus desdobramentos — que levaram à prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ainda que após os acontecimentos relatados no longa — também contou com auxílio da Lei do Audiovisual, segundo o próprio site da Ancine.

Outro filme de tema similar com captação via Lei do Audiovisual foi “Real: O Plano por Trás da História”, que relata os bastidores da criação do Plano Real e dá protagonismo ao economista Gustavo Franco.

Alvo de polêmica, o longa “Lula, o Filho do Brasil”, uma biografia de Lula, foi produzido sem o uso de leis de incentivo — ou seja, foi feito por meio do patrocínio direto de empresas. Em reportagem de março de 2009, o Estadão relatou que diversas companhias que não apresentavam envolvimento com a indústria nacional do cinema estavam destinando grandes quantias à realização do filme. O texto destaca que, na maioria, são “empresas com negócios que dependem intimamente de decisões do Executivo e que possuem contratos milionários com o governo federal”. Em 2018, os patrocínios do filme entraram na mira da Lava Jato. Em delação premiada, o ex-ministro Antônio Palocci disse que havia determinado ao grupo Schahin que usasse dinheiro proveniente de propina para financiar a obra.

O documentário “Democracia em Vertigem”, indicado ao Oscar em 2020, retrata parte do auge do governo petista, o impeachment de Dilma Rousseff (PT) e a ascensão de movimentos políticos que levaram à eleição de Bolsonaro. Não há nenhum registro do uso de recursos públicos no site da Ancine. Segundo a diretora Petra Costa, no portal oficial do documentário, parte dos recursos utilizados partiu de sua própria produtora — a Busca Vida Filmes —, enquanto outro aporte financeiro veio de “diversos fundos estrangeiros”. Os fundos, citados no site como Doc Society, Tribeca, Sundance, Berta e Threshold, concedem bolsas a produções audiovisuais que consideram relevantes. Para participar é necessário se inscrever em um processo seletivo. Costa afirma que não houve uso de dinheiro público na produção.

Por que investigamos?

O Comprova verifica conteúdos de ampla repercussão em redes sociais que apresentem informações erradas ou mesmo fora de contexto sobre determinados assuntos. Em um contexto de polarização política, inflamado pela proximidade com as eleições municipais de 2020, o projeto vê a necessidade de esclarecer se postagens que viralizaram na internet envolvendo agentes públicos são verdadeiras.

Outros conteúdos ligados à política foram investigados, como a “sabotagem” do governo do Ceará em canal inaugurado por Bolsonaro, um texto sobre boa aprovação de Lula utilizado para tratar de apoio a Bolsonaro e uma postagem que dizia que o Exército construiu ponte em 24 horas em Goiás.

No caso da aprovação de captação de recursos para um documentário que trata da eleição de Bolsonaro, não se trata de uma informação nova. A publicação também omite como é feita a captação via Lei do Audiovisual e induz o leitor a uma interpretação equivocada de que o chefe do Executivo teria interferido diretamente na liberação e que os valores seriam enviados de forma direta à produção.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado e que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor.

Até 31 de julho, a postagem no Facebook teve mil comentários e 1,2 mil compartilhamentos. O tuíte foi compartilhado 75 vezes.

Política

Investigado por: 2020-07-31

Post mostra imagens de outras estradas para afirmar que o Exército arrumou a Transamazônica

  • Falso
Falso
Parte dos trechos das gravações utilizadas no vídeo verificado pelo Comprova não é da BR-230, segundo um dos autores das imagens. O próprio Exército informou que a força não concluiu nenhuma obra na rodovia Transamazônica durante o governo Bolsonaro
  • Conteúdo verificado: Publicação no Facebook afirmando que o Exército está fazendo melhorias na Transamazônica, após 40 anos sem nenhuma obra. Acompanha um vídeo com imagens do que seria a rodovia em situação precária e, depois, também do que seria a via em boas condições após obras supostamente feitas pelo Exército.

É falsa uma publicação que circula no Facebook afirmando que a rodovia Transamazônica (BR-230) está em boas condições de tráfego, após 40 anos, graças a obras do Exército. O post, publicado pelo perfil Brasil Unido, diz que “segundo os governos anteriores, era impossível arrumar a rodovia TransAmazônica”, e é acompanhado por um vídeo, no qual constam imagens de estradas em situação precária, seguidas de gravações do Exército trabalhando em obras rodoviárias e, por último, de pistas em bom estado.

Em primeiro lugar, parte dos trechos das gravações utilizadas no vídeo verificado não é da BR-230, segundo um dos autores das imagens e o Exército. Além disso, o próprio Exército disse que a força não concluiu nenhuma obra na rodovia Transamazônica durante o governo de Jair Bolsonaro (sem partido).

Procurado, o autor da postagem no perfil Brasil Unido, Fernando da Silva Ferreira, disse que apenas compartilhou o vídeo. “Não fui ao local averiguar se é correto ou não, mas vi muita gente comentando que realmente fizeram obra lá e que melhorou bastante.”

Como verificamos?

O primeiro passo foi buscar pelas palavras “exército obras rodovias” no YouTube. A pesquisa trouxe o vídeo intitulado “Obras da BR-163 e BR-116 – Engenharia do Exército”. Trata-se de uma edição que utiliza o áudio de uma live feita em 18 de julho pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, em que eles falam sobre obras na BR-163 (a partir de 13min47s) e também gravações do ministro com representantes do Exército na BR-116. Foi possível verificar que várias das imagens utilizadas neste vídeo encontrado no Youtube foram também enxertadas no vídeo objeto desta verificação. São imagens que mostram o Exército atuando em estradas.

Na primeira parte da gravação verificada, que mostra a estrada intransitável, algumas gravações têm marcas d’água, que são dos canais no Youtube Lebrão e Narrador Champz. Ao buscar esses nomes na plataforma, apareceram dois perfis ligados ao universo caminhoneiro. O Comprova assistiu e comparou os vídeos publicados nos canais com o vídeo verificado, mas não encontrou correspondência. Depois disso, enviou mensagens privadas por redes sociais para os dois perfis e conseguiu falar com os responsáveis por eles. A equipe também contatou o responsável pela página Brasil Unido, que teve grande viralização ao compartilhar o conteúdo no Facebook.

Também para checar o conteúdo da postagem, o Comprova enviou e-mail para o Exército – algumas imagens do vídeo trazem a marca d’água do órgão – e para o Ministério da Infraestrutura. O último não respondeu até a publicação deste texto.

O Comprova fez esta verificação baseado em dados oficiais disponíveis até o dia 31 de julho de 2020.

Verificação

O Exército e a Transamazônica

Além de afirmar erroneamente que o atual governo estaria, com a participação do Exército, concluindo obras na Transamazônica, a postagem mente ao dizer que governos anteriores não trabalharam por melhorias na via – que tem, no total, 4.260 quilômetros. Questionado sobre obras na BR-230 em gestões passadas, o Exército enviou, por e-mail, uma lista com os feitos para o Comprova. Em 1955, por exemplo, a instituição implantou um trecho de 24 quilômetros na rodovia na Paraíba. Durante o governo militar e nos governos Lula e Dilma (PT), também realizou obras de pavimentação e implantação em diversos trechos da rodovia. Segundo o Exército informou, atualmente, ele está executando obras de adequação da BR-230 em um trecho de 8 quilômetros na região da cidade de Cabedelo, na Paraíba.

Além de obras realizadas pelo Exército no passado, é importante ressaltar que a Transamazônica teve trechos implantados ou pavimentados por empresas particulares, que atuaram por meio de licitações de governos anteriores. Uma reportagem do G1, de 2009, por exemplo, mostra que o então presidente Lula discursou durante a inauguração de obras de duplicação da BR-230, em Campina Grande, na Paraíba.

Sobre o vídeo, o Exército afirmou que “verifica-se que se trata de uma edição em que foram inseridos trechos de diversos vídeos, configurando uma montagem não profissional” e que “a qualidade afeta a identificação de símbolos que aparecem no vídeo, mas existem trechos em que é possível verificar o símbolo do Exército”. Algumas das gravações identificadas pelo órgão foram feitas na BR-163, no trecho entre Novo Progresso e Igarapé do Lauro, no Pará. O Exército informou ainda: “Além de não se tratar da Transamazônica, o período provável das filmagens deve ser de agosto de 2017 a dezembro de 2019” – ou seja, começando no governo de Michel Temer (MDB).

A rodovia em situação precária

Algumas das imagens que mostram estradas em condições difíceis de tráfego no vídeo verificado trazem as marcas d’água dos canais do YouTube de Lebrão e do Narrador Champz.

Segundo o caminhoneiro Marcio de Almeida, dono do perfil Lebrão 001 G.N.A no YouTube, as gravações que contêm a sua inscrição no vídeo verificado “são de 2018, começo de 2019 ou mais antigas”. Ele disse ser o autor de todas as filmagens que posta e que algumas passagens também “não são nem da Transamazônica“.

Já o responsável pelo canal Narrador Champz, Diego da Silva, afirmou que os vídeos com a sua marca d’água são mesmo da Transamazônica, e foram feitos em 2014 e 2015 – as filmagens originais já foram deletadas de seu canal. Silva ressaltou que os vídeos não são de sua autoria, mas que ele recebe de outras pessoas e monta os compilados que publica no YouTube.

O autor da postagem

O post verificado foi publicado pela página Brasil Unido no Facebook. O Comprova entrevistou o autor do perfil por telefone, Fernando da Silva Ferreira. Ele não soube informar a origem do vídeo. “Não me lembro exatamente de onde veio, eu vi no Facebook e compartilhei”, afirmou. “Não fui ao local averiguar se é correto ou não, mas vi muita gente comentando que realmente fizeram obra lá e que melhorou bastante.”

No perfil, criado em maio e que já tem 11 mil seguidores, ele publica conteúdos contrários ao Supremo Tribunal Federal (STF), críticas a nomes como o ex-ministro Sergio Moro e a apresentadora Xuxa por ter um projeto de livro infantil com conteúdo LGBT e, principalmente, posts favoráveis ao presidente Jair Bolsonaro.

Por que investigamos?

Atualmente em sua terceira fase, o Projeto Comprova verifica conteúdos que dizem respeito a políticas públicas do governo federal e à pandemia de covid-19. As verificações são feitas em conteúdos que viralizam de forma significativa, caso do vídeo investigado aqui. A postagem falsa teve 75 mil interações no Facebook, além de 8,8 mil comentários, e o vídeo foi visualizado mais de 1,6 milhão de vezes até o dia 31 de julho.

Supostas realizações do governo Bolsonaro na área de infraestrutura têm sido objeto de desinformação. Naquele ano, o Comprova mostrou, por exemplo, que uma montagem enganosa atribuía a Bolsonaro obras na BR-163 feitas no governo Dilma e que outra usava foto de obra no governo Lula para elogiar Bolsonaro. Neste ano, o Comprova voltou ao tema ao investigar um post com conteúdo falso que usava fotos de obras da Transposição do Rio São Francisco dos períodos petistas para destacar supostos avanços realizados no atual governo.

Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Política

Investigado por: 2020-07-24

Brasil não terá uma nova moeda lastreada em nióbio chamada “DIM”

  • Falso
Falso
O Banco Central (BC), responsável exclusivo pela emissão da moeda brasileira, negou de forma taxativa a possibilidade de mudança no sistema financeiro nacional
  • Conteúdo verificado: Vídeo publicado no YouTube que afirma que o real será substituído por uma nova moeda chamada “DIM”.

Produzido com base em postagem feita no Facebook, um vídeo publicado em 20 de julho no canal “cristina Daflon chicletinho” no YouTube afirma que o Brasil substituirá o real pelo “DIM”. A nova moeda, que seria lastreada em nióbio, entraria em vigor em 30 de novembro por meio de um “ato interventorial constituinte” assinado pelo “chefe de estado Celio Evangelista Ferreira do Nascimento”. Todo o conteúdo é falso.

Constitucionalmente, o Banco Central (BC) é o responsável exclusivo pela emissão da moeda brasileira. O órgão negou de forma taxativa a possibilidade de mudança no sistema financeiro nacional.

Além disso, um cidadão brasileiro não pode se auto-proclamar presidente da República sem antes passar por uma série de ritos de eleição e posse descritos nos artigos 57, 77 e 78 da Constituição.

Celio Evangelista Ferreira do Nascimento, inclusive, foi indiciado na Lei de Segurança Nacional por ter ameaçado juízes, promotores e procuradores do Distrito Federal. Ele chegou a ser preso pela Polícia Civil do Distrito Federal no âmbito da operação Pátria Amada, mas conseguiu um habeas corpus e responde ao processo em liberdade.

Como verificamos?

Para esta verificação, o Comprova inicialmente realizou uma busca para tentar identificar quem era a autora do vídeo, Cristina Daflon; o autor do texto que ela lê, Lopes Winner; e o homem que propôs a criação do “DIM”, Celio Evangelista Ferreira do Nascimento. Também tentamos contato com os três por meio de redes sociais e telefones disponibilizados em seus perfis.

Depois, procuramos as assessorias de imprensa do Banco Central e do Ministério da Economia para saber se há debates em curso sobre a mudança da moeda no Brasil. A pasta disse que a resposta caberia ao BC.

Entrevistamos o economista Jocildo Fernandes Bezerra, professor de Política Monetária na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), sobre o processo de mudança do meio circulante no País.

Também procuramos a Polícia Civil do Distrito Federal e a Justiça Federal para levantar informações sobre o processo que investiga Célio Evangelista por uma ameaça de morte enviada para juízes, promotores e procuradores do DF.

Por fim, entrevistamos o advogado Marcelo Labanca, professor de Direito Constitucional na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), para entender se qualquer cidadão pode se autodeclarar presidente da República.

Verificação

Real continua

Em resposta ao Comprova, o Banco Central negou a adoção do “DIM” no Brasil em novembro. A Constituição garante exclusivamente ao BC a competência para emissão de moeda.

De acordo com o economista Jocildo Fernandes Bezerra, um país só adota uma nova moeda quando a anterior perde valor. “A moeda é um meio circulante cujo valor tem limite de instabilidade. Uma moeda instável é uma moeda cujo valor não é confiável. De modo que, se essa instabilidade for muito elevada, ela gera o fenômeno da inflação. Quanto mais a inflação se agrava, mais a moeda perde valor. Então, nesse caso, você precisa de uma nova moeda”, explica.

Segundo Bezerra, as moedas também não podem ser mudadas “da noite para o dia”, porque a estabilidade delas permite que os atores econômicos se planejem para o futuro. “Se eu sei que um bem custa R$ 100 hoje e vai custar os mesmos R$ 100 amanhã, eu posso contratar trabalhadores ou investir, porque eu sei qual o preço que aquele produto vai ter no final. Se, de repente, o Banco Central decidisse trocar de moeda, toda a economia seria perturbada. Imagine que você é fabricante de sapato e eu sou vendedor de banana. Quanto é que serão os preços, na nova moeda, do sapato e da banana? Isso paralisaria a produção, o consumo. E incluiria um grau de incerteza na economia que é indesejável”, argumenta.

O professor também diz que lastrear moedas em metais, como sugere a publicação, é uma técnica em desuso há quase 50 anos, quando os Estados Unidos deixaram de basear o valor do dólar nas reservas de ouro. Lastrear significa que o valor de uma nota daquela moeda representa uma quantia de metal, geralmente o ouro, guardada em alguma reserva ou banco.

“Em 1971, os Estados Unidos disseram que não tinham mais ouro para lastrear o valor dólar. Isso fez com o que o dólar acabasse? Não. Por causa da solidez da economia americana. Por isso, inclusive, que o Banco Central [brasileiro] se comporta de modo a criar expectativa de que o valor do real não vai oscilar além de um limite aceitável, assegurando a confiança na economia e na sociedade brasileira. Lastrear uma moeda em nióbio não faz sentido”, afirmou.

O Brasil tem, no dia 23 de julho, 8,2 bilhões de cédulas e 27,3 bilhões de moedas que, juntas, somam R$ 341,8 bilhões em circulação.

“Peso-real”

Em junho de 2019, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse ser favorável a estudos para criar uma moeda em conjunto com a Argentina, que seria chamada de “peso-real”. Na época, o chefe do Executivo brasileiro apoiava a candidatura à reeleição do ex-presidente argentino Mauricio Macri, derrotado por Alberto Fernandéz em outubro do mesmo ano.

O ministro Paulo Guedes, que chegou a participar das conversas, não deu prazo para implementação do “peso-real”. Na ocasião, o Banco Central do Brasil divulgou uma nota em que afirmava não haver nem projeto, nem estudo para a adoção de uma moeda em conjunto com a Argentina.

Desde a independência, em 1822, o Brasil teve nove moedas. Seis delas surgiram em um curto período de dez anos, em que o país passou pela hiperinflação. O Real foi criado em 1º de julho de 1994, após quatro meses de transição com a Unidade Real de Valor (URV), que existiu ao mesmo tempo em que o Cruzeiro Real.

O conteúdo falso

Responsável pelo conteúdo falso no YouTube, Cristina Daflon é uma pessoa real. O canal “cristina Daflon chicletinho” havia publicado 650 vídeos até esta sexta-feira. Somadas, as gravações — cujos temas variam de receitas culinárias a conspirações sobre queda de OVNIs no Brasil — tinham mais de 2,6 milhões de visualizações.

No Instagram, um perfil associado a Cristina Daflon possui informações de contato. O Comprova enviou mensagens pela própria rede social, pelo e-mail e pelo número de WhatsApp (que não pertence a ela), mas não teve resposta. Na quinta-feira, o vídeo foi colocado no modo “privado” no YouTube.

Na gravação, a mulher lê um texto sobre o “DIM”, publicado em 19 de julho no perfil “Lopes Winner” no Facebook. O Comprova enviou mensagem para o responsável pela postagem por meio da própria rede social, mas não teve retorno. Na página, há ainda um contato telefônico. O número, porém, não existe.

O ‘criador’ do “DIM”

O texto lido no vídeo atribui a idealização do “DIM” a Celio Evangelista Ferreira do Nascimento, indiciado na Lei de Segurança Nacional por fazer ameaças de morte a juízes, promotores e procuradores do Distrito Federal. De fato, o homem de 79 anos mencionou a suposta criação da moeda numa publicação na internet datada de 29 de outubro de 2019.

Em 21 de maio, Celio Evangelista e Rodrigo Ferreira, de 40 anos, foram presos preventivamente pela Polícia Civil do Distrito Federal no âmbito da Operação Pátria Amada por conta das ameaças. Na semana seguinte, os dois conseguiram habeas corpus e respondem às acusações em liberdade.

As ameaças foram enviadas em um e-mail intitulado “Sentença de morte aos traidores da pátria”. No texto, a dupla “convoca a população para matar políticos, juízes, promotores, chefes de gabinetes, assessores, parentes, amigos, protetores e demônios de toda sorte”.

Em vídeo publicado na internet, Celio Evangelista fala em “estado de sítio” e ameaça nominalmente políticos como o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o vice Hamilton Mourão (PRTB), os ex-presidentes Lula (PT), Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB).

O caso foi investigado pela Delegacia Especial de Repressão aos Crimes Cibernéticos (DRCC). Celio Evangelista e Rodrigo Ferreira foram indiciados no artigo 17 da Lei de Segurança Nacional, que prevê de três a 15 anos de prisão a quem “tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito”. O inquérito foi enviado à Justiça Federal, que deve remeter os autos ao Ministério Público Federal (MPF). Após análise, os promotores podem apresentar denúncia.

Celio Evangelista se intitula “Presidente Constituinte” do Brasil desde dezembro de 2017. Em vídeo publicado este mês, diz que, com o “DIM”, o país comandaria o “novo sistema financeiro do mundo”. O Comprova tentou contato com Célio por meio de número disponibilizado em seu site, mas os telefonemas foram diretamente para a caixa postal.

O presidente no Brasil

O artigo 77 da Constituição Federal diz que o presidente da República precisa ser eleito, com maioria dos votos válidos, mesmo que para isso seja necessário realizar um segundo turno de votação. Além disso, o artigo 78 define que, para tomar posse, o presidente eleito precisa prestar um juramento à Constituição e às leis em sessão do Congresso Nacional. Se o eleito não comparecer ao Congresso para tomar posse em até dez dias após a convocação pelo Legislativo, o texto constitucional diz, que o cargo será declarado vago.

O professor de Direito Constitucional Marcelo Labanca explica que ninguém pode se autoproclamar presidente sem ter seguido os ritos descritos na Carta Magna. “A Constituição, inclusive, é muito clara em relação a esse rito. Ela diz que a posse tem que ocorrer no dia 1º de janeiro, em uma sessão solene do Congresso Nacional. Ou seja, não pode nem ser uma sessão só da Câmara ou do Senado”, lembra.

Outra formalidade, de acordo com Labanca, está descrita no parágrafo 6º do artigo 57, segundo o qual a convocação extraordinária para dar posse ao presidente da República será feita pelo presidente do Senado Federal.

Por que investigamos?

Nesta terceira fase de combate à desinformação e a conteúdos enganosos na internet, o Comprova analisa postagens com grande circulação sobre políticas públicas do governo federal, eleições municipais e a pandemia de covid-19.

Até 21 de julho, antes de ser colocado em modo privado, o vídeo sobre o “DIM” tinha quase 50 mil visualizações no YouTube. A versão do conteúdo em texto no Facebook gerou 116.680 interações (soma de reações, comentários e compartilhamentos) até 24 de julho, segundo a ferramenta CrowdTangle.

A verificação é relevante pelas repercussões que a troca de moeda de um país pode causar, como aumento de gastos públicos para impressão de novas notas e os impactos nas políticas externas, além das mudanças no dia a dia até que as pessoas se adaptem ao novo sistema.

Recentemente, o Comprova classificou como falso ou enganoso outras publicações sobre políticas públicas do governo federal, como a transposição do Rio São Francisco, a construção de uma ponte em Goiás e um “decreto-lei” para criar um Tribunal Constitucional Militar.

O Boatos.org também desmetiu duas versões em texto do conteúdo sobre o “DIM”.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.