O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.
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Eleições

Investigado por: 2020-10-01

É falso que apenas três países, inclusive o Brasil, utilizem urnas eletrônicas

  • Falso
Falso
Urnas eletrônicas são utilizadas em 15 países além do Brasil. Em Cuba, votações usam cédulas de papel
  • Conteúdo verificado: Postagem no Facebook afirma que, além do Brasil, apenas Cuba e Venezuela usam urnas eletrônicas

É falso o conteúdo de uma publicação que viralizou no Facebook afirmando que, apesar de existirem 193 países no mundo, as urnas eletrônicas só são utilizadas em Cuba e na Venezuela, além do Brasil. Dados do Institute for Democracy and Electoral Assistance (IDEA) mostram que ao menos 46 países utilizam votação eletrônica em algum tipo de eleição (seja nacional, regional ou para escolha de dirigentes sindicais). Desses, ao menos outros 15 países, além do Brasil, utilizam máquinas de votação eletrônica de gravação direta (não usam boletins de papel e registram os votos eletronicamente, sem que o eleitor interaja com qualquer cédula física).

Também é falso que Cuba utilize urnas eletrônicas. A Lei Eleitoral do país prevê a votação por meio de cédulas de papel em eleições ou referendos. Na Venezuela, urnas eletrônicas são utilizadas desde 2004 com equipamentos fornecidos pela empresa Smartmatic.

Em relação à quantidade de países, não há um levantamento único de quantos existem, já que cada governo é livre para reconhecer ou não a existência de outras nações e estabelecer relações diplomáticas com elas. Hoje, a Organização das Nações Unidas (ONU) possui 193 estados-membros. O Brasil reconhece a existência de 196 nações, inclusive algumas que não têm assento na ONU, como o Vaticano e a Palestina.

Como verificamos?

Primeiro, buscamos verificações anteriores sobre temas similares, as quais nos serviram como ponto de partida. Por meio de uma checagem feita pelo Estadão Verifica, chegamos ao Institute for Democracy and Electoral Assistance, que possui um levantamento sobre a digitalização de processos eleitorais. Acionamos o IDEA por e-mail e recebemos um retorno de Peter Wolf, especialista sênior em Eleições, Democracia e Tecnologia, que nos passou os dados mais recentes da entidade e nos ajudou a interpretá-los.

Depois, consultamos os sites do Conselho Eleitoral Nacional de Cuba, onde encontramos a Lei Eleitoral cubana e outras informações sobre a eleição mais recente no país, e do Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela, que lista várias informações sobre o histórico de digitalização local. Também consultamos o site da Smartmatic, empresa que forneceu urnas eletrônicas para a Venezuela, onde encontramos dados sobre o rompimento da companhia com as autoridades venezuelanas e sobre sua atuação no Brasil.

Consultamos o site da ONU para saber quantos são os estados-membros que integram a entidade e consultamos o site do Ministério das Relações Exteriores para saber quantos países têm sua existência reconhecida pelo Brasil. Também pesquisamos quais os sistemas de segurança da urna brasileira no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Por fim, enviamos mensagem para a autora do conteúdo verificado, mas ela não respondeu até a publicação dessa verificação.

Verificação

O uso de urnas eletrônicas não é exclusividade do Brasil. Levantamento do IDEA mostra que ao menos 45 outros países utilizam algum tipo de votação eletrônica. A maioria deles (26), em eleições nacionais. Os dados do instituto também mostram que, além do Brasil, outros 15 países utilizam urnas eletrônicas com gravação direta. Mas existem outros modelos de votação eletrônica, como o voto pela Internet, que é regulamentado em 10 países.

“Veja que máquinas de votação são certamente utilizadas em muito mais do que três países. […] Se você incluir todos os tipos de máquinas de votação, achará inúmeros exemplos: Estados Unidos, Canadá, Venezuela, Bélgica, França, Índia, Filipinas, República Democrática do Congo e Namíbia”, afirma Peter Wolf, especialista sênior da IDEA.

Ele lembra, porém, que há especificidades nas urnas eletrônicas brasileiras. “Notadamente a ausência de comprovante de papel, que é menos comum. É possível que o conteúdo que você está verificando se refira a isso. Em alguns locais nos Estados Unidos, na Namíbia e parte da França são os únicos exemplos de sistemas sem comprovante de papel que me vêm à mente agora. Além, é claro, de sistema de votações on-line que, obviamente, não possuem uma função de registro em papel”, explica Wolf.

Uma lei de 2015 previu a emissão de um comprovante de votação pelas urnas brasileiras, mas o trecho foi considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por colocar em risco o sigilo do voto, como mostrou o Comprova recentemente.

Eleições em Cuba

Cuba não utiliza urnas eletrônicas em suas votações. A Lei Eleitoral cubana prevê o uso de cédulas de papel (boletas, em espanhol) para eleições e para a realização de plebiscitos ou referendos. As cédulas devem conter os nomes e sobrenomes dos candidatos, além dos cargos aos quais eles estão concorrendo, segundo as regras complementares das eleições de janeiro. Elas devem ser impressas com tinta preta em papel branco.

Os delegados, então, devem marcar um xis do lado direito do candidato em quem desejam votar. A lei determina que a marcação seja feita em um lugar reservado, em que o eleitor possa votar de forma secreta, como explica uma cartilha elaborada pelo Conselho Eleitoral Nacional.

A apuração é feita pelo Conselho Eleitoral Municipal, que verifica quantas cédulas haviam na urna, quantas delas são votos válidos, em brancos ou anulados e, por fim, a quantidade de votos de cada candidato. No caso de referendos e plebiscitos, o eleitor também deve marcar um xis ao lado das palavras SIM ou NÃO.

Eleições na Venezuela

A Venezuela usa urnas eletrônicas em suas eleições desde 2004, com máquinas que imprimiam o comprovante dos votos. A partir de 2012, passou a adotar a identificação biométrica para liberar o funcionamento das máquinas, segundo informa o Conselho Nacional Eleitoral do país. As máquinas foram desenvolvidas pela empresa Smartmatic.

A Smartmatic foi fundada nos Estados Unidos, mas hoje tem sede no Reino Unido. A empresa trabalhou em 15 eleições venezuelanas entre 2004 e 2017. Em agosto de 2017, o CEO da companhia, Antonio Mugica, realizou uma coletiva de imprensa em que informou que a taxa de comparecimento dos eleitores anunciada pela Comissão Eleitoral nas eleições de 30 de julho daquele ano não correspondia aos números que haviam sido registrados pela empresa, com a taxa de participação tendo sido inflacionada em pelo menos um milhão de eleitores. Por isso, a companhia suspendeu suas atividades no país.

A Smartmatic também informa no seu site que nunca forneceu urnas para as eleições brasileiras. A empresa atuou no Brasil nas eleições de 2012, 2014 e 2016 fornecendo comunicação de dados em áreas remotas do país para que os votos pudessem ser transferidos ao TSE. Especificamente em 2012, ela também treinou operadores de campo e prestou serviços de manutenção e testes para urnas. A Smartmatic não forneceu urnas ou prestou outros serviços durante as eleições do Brasil de 2018.

Quantos países existem?

A ONU é composta por 193 estados-membros desde que a República do Sudão do Sul se separou do Sudão em 9 de julho de 2011, como resultado de um referendo realizado em janeiro do mesmo ano que contou com observadores internacionais.

Para que um país possa ser aceito como estado-membro da ONU, suas credenciais precisam ser recomendadas pelo Conselho de Segurança da entidade e, depois, aceitas pela Assembleia Geral, órgão que reúne todos os membros atuais. A própria ONU, porém, explica que reconhecer a existência de um país ou governo é um ato que apenas outro país pode conceder; o que, em geral, implica no estabelecimento de relações diplomáticas entre ambos. Por não ser um estado ou governo, tecnicamente a ONU não tem autoridade para reconhecer se um país existe ou não.

Hoje, o Brasil reconhece e, por sua vez, possui relação diplomática com 196 países, além de um representante junto à União Europeia. A lista inclui autoridades nacionais que não integram a Assembleia Geral da ONU, como a Palestina e o Vaticano. Igualmente, existem 197 embaixadas e consulados estrangeiros no Brasil (incluindo a representação da União Europeia).

Segurança da urna brasileira

A Justiça Eleitoral brasileira utiliza uma série de mecanismos para garantir a segurança e a confiabilidade das urnas e, consequentemente, das eleições no País. O equipamento utiliza criptografia, assinatura digital e resumo digital para garantir que somente o software criado pelo TSE possa ser usado nas urnas. A tentativa de executar qualquer outro programa bloqueia a máquina. O software oficial também não pode ser rodado em outro equipamento.

A assinatura digital também protege contra modificações os dados sobre cada candidato e eleitor, assim como o resultado da votação e os registros das operações. A urna eletrônica também não possui mecanismos que permitam conectá-la a redes de computadores, como a internet, para evitar ataques de hackers. O aparelho também registra qualquer alteração feita em seu código, para evitar tentativas de alterar o software por pessoas que tenham acesso às urnas no dia da votação.

O desenvolvimento do programa utilizado pela Justiça Eleitoral pode ser acompanhado pelos partidos políticos, pelo Ministério Público e pela Ordem dos Advogados do Brasil por meio de inspeções para verificar a sua confiabilidade. O TSE também realizou testes públicos de segurança em 2009 e 2012, nos quais ninguém conseguiu adulterar os sistemas, nem o resultado das votações.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova monitora e verifica conteúdos sobre a pandemia do novo coronavírus, eleições municipais de 2020 e políticas públicas do governo federal que podem causar desinformação nas redes sociais. É o caso do conteúdo objeto desta verificação, que reproduz uma informação falsa sobre as urnas eletrônicas para questionar a confiabilidade dos resultados das votações.

De acordo com os dados da plataforma CrowdTangle, até a data de publicação deste texto, o conteúdo somava mais de 4,4 mil interações no Facebook. O mesmo conteúdo foi verificado pela Agência Lupa, que concluiu que ele é falso.

Conteúdos semelhantes à este também viralizaram nas redes sociais às vésperas da eleição presidencial de 2018. À época, o Tribunal Superior Eleitoral concluiu se tratar de um conteúdo falso e o Estadão Verifica classificou o boato como uma mentira.

O Comprova já mostrou que o STF não decidiu que o voto impresso é inconstitucional; que as Forças Armadas não solicitaram perícia nas urnas eletrônicas; que os códigos usados no aparelho não foram entregues aos venezuelanos; que a Polícia Federal não apreendeu uma van com urnas adulteradas e que a Polícia Militar não apreendeu um carro com votos já preenchidos dentro do equipamento.

Falso para o Comprova é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Eleições

Investigado por: 2020-09-17

Tuíte engana ao dizer que o STF decidiu que voto impresso é inconstitucional

  • Enganoso
Enganoso
Na realidade, o STF não decidiu que o voto impresso era inconstitucional, mas sim um artigo da reforma eleitoral segundo o qual deveria ser feita a impressão de um comprovante após o voto nas urnas eletrônicas
  • Conteúdo verificado: Um tuíte que questiona o motivo de o STF ter dito que o voto impresso era inconstitucional, argumentando que em 1988, ano da promulgação da carta magna, os votos eram no papel e não havia urna eletrônica.

Uma postagem feita no Twitter engana ao questionar o Supremo Tribunal Federal (STF) por ter, supostamente, considerado o voto impresso inconstitucional. O que o órgão declarou foi a inconstitucionalidade de um artigo da reforma eleitoral de 2015, que previa a impressão de um comprovante após os registros dos eleitores nas urnas eletrônicas. Trata-se de coisas diferentes.

O autor do tuíte confundiu a possibilidade de um comprovante de voto na urna eletrônica ser impresso com a votação realizada em cédulas de papel, utilizada antes da criação dessas urnas. A impressão do voto eletrônico seria equivalente à possibilidade de o eleitor que votava utilizando as cédulas deixar o local de votação com uma cópia de seu voto. Haveria a possibilidade de quebra do sigilo do voto – daí a decisão do STF sobre a inconstitucionalidade da medida.

Como verificamos?

Buscamos a lei 13.165/2015 (Minirreforma Eleitoral) e a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) 5889, nos sites oficiais do Planalto e do Supremo Tribunal Federal. Acessamos o material sobre eleições e urnas eletrônicas disponível no site do Tribunal Superior Eleitoral e reportagens sobre a reforma eleitoral.

Verificação

O comprovante de votação

A determinação da impressão do voto surgiu no Brasil com a minirreforma eleitoral de 2015, que modificou vários dispositivos do Código Eleitoral. O artigo 59-A da lei 13.165/2015 prevê que “no processo de votação eletrônica, a urna imprimirá o registro de cada voto, que será depositado, de forma automática e sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado.” O parágrafo único do artigo ainda dispõe: “O processo de votação não será concluído até que o eleitor confirme a correspondência entre o teor de seu voto e o registro impresso e exibido pela urna eletrônica”. Em 2015, o trecho havia sido vetado pela então presidente Dilma Rousseff (PT), que alegou o alto custo para implementação da medida. O veto foi derrubado pelos parlamentares.

A ideia, portanto, não era que a votação voltasse a ser realizada em cédulas de papel, mas que um comprovante impresso fosse emitido após o registro dos eleitores nas urnas eletrônicas.

Em fevereiro de 2018, a norma foi questionada no Supremo Tribunal Federal pela então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Em junho daquele ano, o plenário do STF decidiu, em uma liminar, pela suspensão do dispositivo – que não valeu para as eleições de 2018. A decisão final se baseou no voto do ministro Alexandre de Moraes, que considerou que a medida colocava em risco o sigilo do voto, fundamental para o caráter “secreto, universal e livre” do processo eleitoral.

Na ocasião, o relator do processo, ministro Gilmar Mendes, ainda considerou que a mudança tinha como base alegações falsas de fraudes em eleições anteriores. Mendes, no entanto, votou pela manutenção da regra aprovada pelo Legislativo, que deveria ser aplicada de forma gradual.

A decisão liminar foi proferida após a manifestação de várias instituições da sociedade civil, que enviaram amici curiae (manifestação para ajudar o órgão a entender questões técnicas ou específicas) ao STF. Um dos pareceres aceitos foi o do Instituto Resgata Brasil, criado pela ex-procuradora do Distrito Federal e hoje deputada federal pelo PSL Bia Kicis.

Em 2020, o assunto voltou à pauta do STF e, de forma unânime, os ministros declararam a inconstitucionalidade do artigo 59-A do Código Eleitoral, o que significa que ele não vai entrar em vigor.

Na decisão, o ministro Gilmar Mendes ressaltou que a impressão do comprovante teria que ser realizada por um equipamento especial, capaz de emitir o recibo e o inserir em um local previamente lacrado que, além de tudo, precisaria ser totalmente seguro.

No voto, Mendes escreveu: “Se assim não for, em vez de aumentar a segurança das votações, a impressão do registro será frágil como meio de confirmação do resultado e, pior, poderá servir a fraudes e a violação do sigilo das votações”. Isso porque, segundo ele, a impressora poderia acabar sendo usada como uma forma de hackear a urna em si, e os comprovantes seriam a “comprovação” de que não houve problemas no processo.

Além disso, na decisão final sobre o tema, ficou mantido o entendimento de que a impressão dos comprovantes poderia ser uma forma de violar o sigilo da votação.

As eleições no ano da Constituição

O usuário responsável pelo tuíte verificado aqui questiona a inconstitucionalidade alegando que, no ano da promulgação da Constituição, 1988, ainda não existiam urnas eletrônicas.

As eleições de 1988 foram reguladas pela lei federal 7.664/88, que previa eleição para prefeitos, vice-prefeitos e vereadores em todas as cidades do país no dia 15 de novembro daquele ano. Na página 97 do livro “Eleições no Brasil – Uma História de 500 Anos”, lançado pelo TSE, há uma reprodução de uma cédula usada nas eleições de 1988. De fato, a votação ocorreu em cédulas de papel.

A urna eletrônica foi desenvolvida em 1995 e utilizada pela primeira vez nas eleições municipais do ano seguinte. As especificações de segurança do aparelho foram desenvolvidas por uma comissão técnica com pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Centro Técnico Aeroespacial (CTA) de São José dos Campos.

Em 1996, apenas um terço dos eleitores usaram a urna eletrônica. Na eleição seguinte, em 1998, o equipamento chegou a dois terços dos eleitores. Em 2000, todos os prefeitos e vereadores do país foram eleitos de forma eletrônica.

Em março de 2009, o TSE recebeu um prêmio na área de tecnologia pela contribuição no desenvolvimento de urnas eletrônicas. A premiação foi resultado de uma parceria entre a Universidade de São Paulo (USP), a George Washington University e a Business Software Aliance (BSA). A BSA é uma entidade que reúne instituições e empresas da área de tecnologia da informação e promove o evento para destacar ideias que sejam inéditas em todo o mundo.

Por que verificamos?

Em sua terceira fase, o Comprova verifica postagens suspeitas que tenham viralizado nas redes sociais e que tenham ligação com a pandemia da covid-19, com políticas públicas de âmbito nacional ou com as eleições municipais. É o caso do tuíte em questão, que questiona a “proibição ao voto impresso” fazendo confusão entre cédula de votação e comprovante do voto eletrônico. A publicação teve 2,7 mil curtidas e 853 compartilhamentos no Twitter.

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e seus aliados são defensores do voto impresso desde a época da campanha eleitoral. Neste ano, ele afirmou que teria provas de que a eleição de 2018 foi fraudada e que, se não fosse isso, teria sido eleito no primeiro turno. Disse ainda acreditar ter feito mais votos no segundo turno do que foi contabilizado. O presidente, no entanto, ainda não apresentou provas da acusação que fez.

Além de ser a favor do voto em cédula, Bolsonaro também era a favor do voto impresso em urna eletrônica. Em 2018, criticou o sistema de votação brasileiro e a liminar que suspendia a obrigatoriedade de impressão do voto eletrônico: “É um sistema eleitoral que não existe em nenhum lugar do mundo. Eu apresentei um antídoto para isso. A senhora Raquel Dodge [procuradora-geral da República] questionou. O argumento dela é que a impressão dos votos comprometeria a segurança das eleições. Pelo amor de Deus. Inclusive estava acertado que em 5% das seções teríamos impressão do voto”.

Durante as eleições de 2018, o Comprova verificou diversas desinformações relacionadas às urnas eletrônicas. Mostrou que as Forças Armadas não solicitaram perícia nos equipamentos, que códigos de urnas eletrônicas não foram entregues aos venezuelanos, que a Polícia Federal não apreendeu uma van com urnas adulteradas e que a Polícia Militar não apreendeu um carro que transportava os aparelhos já preenchidas com votos no Amazonas.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Eleições

Investigado por: 2019-11-28

Artigo manipula dados de pesquisas de opinião para fazer parecer que aprovação de Bolsonaro cresceu

  • Falso
Falso
Texto compara pesquisas com metodologias e períodos diferentes e esconde que a desaprovação ao presidente cresceu de forma significativa desde o início do ano nas séries de pesquisas dos três institutos mencionados.

Um artigo publicado nos sites Crítica Nacional e Jornal da Cidade Online mistura dados de pesquisas de Ibope, Datafolha e XP/Ipespe sobre avaliação de governo para fazer parecer que a opinião dos brasileiros em relação a Jair Bolsonaro tem melhorado. O texto esconde que a desaprovação a Bolsonaro cresceu de forma significativa desde o início do ano nas séries de pesquisas dos três institutos mencionados. A aprovação ao presidente também oscilou de forma negativa nos três levantamentos.

Como cada instituto de pesquisa usa metodologias e amostras distintas, os resultados também não são comparáveis entre si. Além disso, o gráfico que ilustra os artigos usa um truque para parecer que a alta de popularidade alegada foi mais acentuada. Veja o porquê:

Para reforçar a narrativa de que o presidente tem se tornado mais bem avaliado pelos brasileiros, o texto também compara dados de visualização dos canais de YouTube de Bolsonaro e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Embora os dados estejam corretos, o desempenho em redes sociais não pode ser considerado como critério único de popularidade, já que nem toda a população brasileira tem acesso à internet — como já mostrou uma checagem anterior do Comprova.

Artigos com alegações semelhantes às publicadas por Crítica Nacional e Jornal da Cidade Online também haviam sido anteriormente divulgados pelos sites Movimento Avança Brasil e Liga Patriótica.

Depois do contato do Comprova, o Jornal da Cidade Online atualizou o artigo para incluir dados da pesquisa XP/Ipespe de desaprovação e expectativa do governo. O site comunicou ainda que não tem responsabilidade pelos textos que reproduz em sua página. No dia seguinte à publicação da checagem, atualizou mais uma vez a página, dessa vez com o título “Erramos: pesquisas não apontam melhora na avaliação do governo Bolsonaro”.

Em um primeiro e-mail, o site comunicou também que não tinha responsabilidade pelos textos de terceiros que reproduz em sua página. Depois, se retificou: “A informação questionada não havia sido coletada por nós e, portanto, a responsabilidade de defendê-la perante os seus questionamentos era da fonte, no caso o Crítica Nacional. Sempre nos responsabilizamos por tudo publicado no nosso site.”

Já o Crítica Nacional publicou um segundo texto em que afirma que o artigo original está correto e argumenta, com dados da XP de agosto e novembro, que a rejeição não cresceu. O site adiciona que “cada veículo decide o conteúdo a ser publicado de acordo com sua linha editorial” e afirma que, se houve aumento de rejeição, “cabe ao veículo de imprensa que assim o desejar coletar essa informação e exibi-la para seus leitores”.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Como verificamos

O Comprova consultou os relatórios das pesquisas de opinião feitas pelos institutos Datafolha, Ibope e XP/Ipespe para comparar resultados, metodologias e amostras. Também conversou com o jornalista Daniel Bramatti, editor do Estadão Dados e presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).

Para checar valores de visualizações nos canais de YouTube de Bolsonaro e Lula, utilizou a ferramenta Social Blade.

Por que não comparar resultados de pesquisas feitas por institutos diferentes?

Cada instituto de pesquisa utiliza um método diferente para selecionar seus entrevistados.

No Datafolha, as pessoas são abordadas em pontos de fluxo populacional — como praças ou ruas movimentadas. Os lugares onde são feitas as entrevistas são escolhidos por sorteio: primeiro de municípios, depois de bairros e pontos de aplicação do questionário.

Os entrevistados são selecionados de acordo com cotas proporcionais de sexo e idade, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Isso é feito para garantir que as pessoas ouvidas são representativas do total da população brasileira.

Na última pesquisa de avaliação do governo, realizada nos dias 29 e 30 de agosto, foram consideradas 2.875 pessoas em 275 municípios.

No Ibope, a seleção de pessoas é anterior às entrevistas. A amostra é definida usando o modelo de conglomerados em três estágios.

Primeiro, o instituto sorteia municípios com o método estatístico de probabilidade proporcional ao tamanho (PPT), levando em conta os eleitores que votaram nas últimas eleições. Depois, são definidos quais setores censitários daquela cidade serão pesquisados, também pelo método PPT. Esses setores são unidades territoriais demarcadas pelo IBGE — o último Censo dividiu o País em 314 mil unidades. Finalmente, dentro desses setores são escolhidos os entrevistados, seguindo cotas proporcionais de sexo, idade, grau de instrução e setor de dependência econômica.

O número de pessoas dentro de cada cota é calculado de acordo com o Censo de 2010, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) de 2017 e dados do TSE de 2019. As entrevistas são então feitas nas residências dos pesquisados.

Para a última pesquisa de avaliação do governo, feita de 19 a 22 de setembro, foram entrevistadas 2 mil pessoas em 126 municípios.

As entrevistas para a pesquisa de opinião divulgada pela XP Investimentos são feitas por telefone. De acordo com a assessoria de imprensa da instituição, os números são selecionados de forma aleatória a partir do banco de dados do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), fornecedor da XP. Os entrevistadores ligam para fixos e celulares, de pessoas físicas e jurídicas, e procuram pessoas que atendam às cotas proporcionais da população.

No último levantamento de avaliação do governo, foram consideradas mil respostas entre os dias 6 e 8 de novembro.

“Não é aconselhável comparar resultados de vários institutos em um mesmo gráfico quando eles usam diferentes metodologias e refletem a opinião de diferentes amostras da população”, observou Daniel Bramatti, que escreve sobre pesquisas eleitorais no jornal O Estado de S.Paulo. “Uma pesquisa funciona bem quando a composição do grupo de entrevistados é um retrato, em menor escala, da composição da população, levando-se em conta características como gênero, idade, renda, local de moradia e outras. É esse retrato em miniatura do Brasil que os bons institutos buscam ao constituir suas amostras. Se uma amostra tiver, por exemplo, mais pessoas ricas do que a proporção encontrada no país, o resultado da pesquisa não vai refletir a realidade.”

O texto dos sites Crítica Nacional e Jornal da Cidade Online atribui à “agência de dados Top Digital” a análise dos resultados de pesquisas de opinião. O Comprova não encontrou registro dessa empresa em buscas no Google ou em bancos de dados de CNPJ. Pedimos aos responsáveis pelo texto o contato da agência, mas não recebemos resposta.

O que as pesquisas de opinião realmente dizem sobre a aprovação de Bolsonaro?

Diferentemente do que o texto quer fazer parecer, a aprovação do presidente (porcentagem de pessoas que avaliam o governo como ótimo ou bom) apresenta oscilação negativa nos três levantamentos, ou seja, está em queda. O índice de rejeição cresceu de forma significativa de acordo com todos os institutos. Confira o gráfico abaixo:

Na pesquisa de opinião Datafolha, a aprovação a Bolsonaro apresentou oscilação negativa: de 32% após três meses de governo a 29% depois de oito meses. Apesar de o índice de agosto ser mais baixo do que o de abril, a diferença está dentro da margem de erro da pesquisa, de dois pontos percentuais. A rejeição, no entanto, subiu oito pontos entre os dois levantamentos: de 30% para 38%.

O Ibope aponta tendência similar. Em abril, o índice de aprovação registrado foi de 35%, e em setembro, 31% — oscilação negativa dentro da margem de erro, que também é de dois pontos percentuais. Já a rejeição aumentou 7 pontos, de 27% a 34%.

A pesquisa XP/Ipespe, feita de forma mais frequente e por telefone, também aponta oscilação negativa na taxa de aprovação do presidente. Em janeiro, 40% dos pesquisados opinaram que o governo era ótimo ou bom; em novembro, esse índice foi de 35%. A margem de erro do levantamento é de 3,2 pontos percentuais.

Nessa pesquisa, a rejeição apresenta o maior salto, de 19 pontos percentuais: de 20% em janeiro para 39% em novembro.

Uma forma de contextualizar a popularidade de Bolsonaro é colocar lado a lado a avaliação de seu governo e a de presidentes anteriores. Para uma comparação correta, consideramos o mesmo período dos primeiros mandatos de cada um. A avaliação do atual presidente só é melhor do que a de Itamar Franco e Michel Temer. Veja o gráfico:

Qual a popularidade do presidente no YouTube?

De fato, o presidente Jair Bolsonaro tem um canal de YouTube mais popular que o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Até o dia 28 de novembro, Bolsonaro acumulava mais de 125 milhões de visualizações e somava 2,6 milhões de inscritos. Já Lula tem pouco mais de 2 milhões de visualizações, com 89,9 mil inscritos.

É necessário ponderar, no entanto, que Bolsonaro tem um canal há mais tempo que Lula: ele criou sua página no YouTube em junho de 2009 e o petista, em junho de 2018. O atual presidente também postou mais vídeos: 1,7 mil, contra 243 de Lula.

Essas informações estão disponíveis através de consulta na ferramenta Social Blade e nas páginas dos canais de cada político.

Outra ressalva importante é que o alcance em redes sociais não deve ser utilizado como critério único para medir a popularidade de um governante. Como mostrou essa checagem do Comprova, nem todos os brasileiros têm acesso às redes sociais ou até mesmo à internet. O índice de conectividade da população é de cerca de 70%.

O texto menciona que o levantamento de desempenho no YouTube foi feito pela empresa Mr. Predictions. A mesma verificação do Comprova citada anteriormente mostrou que a empresa está registrada em Florianópolis, Santa Catarina, e tem como presidente o ex-procurador da Fazenda Hugo Hoeschl.

Em 2018, o Comprova desmentiu um vídeo em que Hoeschl usa de forma enganosa um conceito matemático para denunciar fraude na eleição de 2014. O mesmo vídeo foi tema de uma reportagem do site The Intercept Brasil que revelou que o ex-procurador fraudou o próprio currículo.

A reportagem tentou contato com Hoeschl mas ele não quis dar entrevista.

Repercussão nas redes

O Comprova verifica conteúdos duvidosos sobre políticas públicas do governo federal que tenham grande potencial de viralização.

Os artigos nos sites Crítica Nacional e Jornal da Cidade Online tiveram, respectivamente, 387 e 6.289 compartilhamentos desde o dia 24 de novembro.

Eleições

Investigado por: 2019-09-19

Mudanças na lei eleitoral não valerão para 2020 se Bolsonaro aguardar até o fim do prazo para vetos

  • Evidência comprovada
Evidência comprovada
É verdade que, se o presidente da República aguardar até o final do prazo para vetar o projeto que altera lei eleitoral, a eleição de 2020 será disputada com as regras atuais

Um tuíte que viralizou nas redes sociais sugere ao presidente Jair Bolsonaro (PSL) engavetar o projeto de lei 5029/19 —aprovado nesta quarta-feira, 18 de setembro, pela Câmara dos Deputados— e, no último dia do prazo, vetá-lo totalmente. Dessa forma, segundo a postagem, “Rodrigo Maia não vai ter tempo de derrubar o seu veto e a lei não vai valer na próxima eleição”.

É verdade que, se Bolsonaro esperar até o último dia do prazo para vetar a lei, as regras aprovadas não valerão para as eleições municipais de 2020. Isso ocorreria mesmo se o Congresso (formado por Câmara e Senado) decidisse derrubar o veto, porque, para valer nas eleições municipais do ano que vem, qualquer medida legislativa sobre as regras eleitorais tem de estar em vigor antes de 4 de outubro deste ano.

No entanto, mesmo que Bolsonaro vetasse o projeto com tempo hábil para o Congresso decidir sobre a medida antes do dia 4, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, não poderia derrubar o veto sozinho, como indica o tweet verificado. Nem mesmo a própria Câmara poderia sozinha derrubar o veto. Apenas uma sessão conjunta da Câmara e do Senado pode apreciar e deliberar sobre o veto presidencial.

O Comprova verificou o conteúdo de um tuíte publicado pelo perfil @VemPraRua_br.

Evidência comprovada para o Comprova é quando a veracidade de um conteúdo é confirmada sem que reste margem de dúvida.

Como verificamos

Para verificar esta publicação, o Comprova conferiu a regras de tramitação legislativa na Constituição Federal e textos explicativos sobre o veto no site do Congresso.

Além disso, verificamos o status do projeto de lei na ficha de tramitação e se ele constava na lista de matérias aguardando sanção presidencial.

Você pode refazer o caminho da verificação do Comprova usando os links para consultar as fontes originais ou visualizar a documentação que reunimos.

Quanto tempo o presidente tem para vetar um projeto de lei?

O prazo para o presidente sancionar ou vetar um projeto de lei é de 15 dias úteis, contando a data do recebimento do PL pela Presidência.

Apesar de ter sido aprovado pela Câmara nesta quarta (18), o projeto precisa ser oficialmente enviado à Presidência para que o prazo de 15 dias comece a contar, o que ainda não aconteceu.

Esse prazo está definido no primeiro parágrafo do artigo 66 da Constituição Federal.

Se o projeto fosse recebido pelo presidente ainda nesta quinta (19), ele teria até o dia 9 de outubro para sancioná-lo, vetá-lo ou vetá-lo parcialmente.

É verdade, portanto, que, caso o presidente espere até o último dia do prazo para veto, o Congresso não terá tempo de derrubá-lo e fazer com que a lei em questão esteja valendo nas eleições de 2020.

Segundo a ficha de tramitação do PL, ele ainda está “Aguardando envio ao Poder Executivo”. Tampouco ele consta na página das matérias que estão aguardando sanção presidencial.

Quem pode derrubar o veto do presidente?

Se o presidente vetar parcialmente a lei, os trechos vetados voltam para análise do Congresso Nacional, que tem então até 30 dias corridos para analisá-los, em sessão conjunta da Câmara e do Senado. Já os trechos sancionados são publicados e viram lei.

Caso os vetos sejam mantidos, a lei fica como saiu da Presidência. Caso sejam derrubados, os trechos antes vetados passam a integrar a lei.

Para que o veto do presidente seja rejeitado, é necessária a maioria absoluta dos votos de deputados e senadores, ou seja, 257 votos de deputados e 41 votos de senadores, computados separadamente.

Além disso, não caberia ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, convocar uma sessão conjunta. Apenas o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), pode convocá-la.

Segundo o regimento do Congresso, caso seja convocada uma sessão conjunta, ela deve ocorrer na terceira terça-feira do mês ou na terça-feira seguinte à convocação.

Além disso, se os vetos presidenciais forem rejeitados pelo Congresso, o presidente ainda tem o prazo de até 48 horas para promulgar a lei. E, caso não promulgue nesse prazo, a promulgação pode ser feita pelo presidente do Senado.

Contexto

O tuíte acompanhado da hashtag “VetaBolsonaro” faz referência ao projeto de lei 5029/19, aprovado nesta quarta, 18 de setembro, pela Câmara dos Deputados, que afrouxa o controle sobre o uso das verbas públicas pelos partidos.

Entre as medidas aprovadas pela Câmara estão a permissão da contratação de consultoria contábil e advocatícia para ações de interesse partidário relacionadas exclusivamente ao processo eleitoral, sem que isso conte para o limite de gastos das campanhas.

Pessoas físicas também poderão bancar esses gastos em valores superiores às doações eleitorais que podem fazer hoje. Segundo especialistas, isso amplia as brechas ao caixa dois.

Em carta aberta, mais de 20 entidades da sociedade civil pediram a Maia que barrasse os principais pontos do projeto. O texto afirma que a proposta representa “um dos maiores retrocessos dos últimos anos para transparência e integridade do sistema partidário brasileiro”.

Essa pressão havia levado o Senado a rejeitar praticamente a integralidade do projeto, na terça-feira. No entanto, um dia depois, a Câmara reabilitou diversos pontos rejeitados pelo Senado, apesar de ter abandonado algumas das principais polêmicas que constavam da versão original do projeto.

Repercussão nas redes

O Comprova verifica conteúdos duvidosos sobre políticas públicas do governo federal que tenham grande potencial de viralização.

A postagem no perfil do Vem Pra Rua Brasil no Twitter teve, até o dia 19 de setembro, 2,2 mil curtidas e mais de 800 compartilhamentos.

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Eleições

Investigado por: 2019-09-10

É falso que Bolsonaro tem câncer e não levou facada

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Falso
Não é verdade que o presidente da República foi operado por oncologistas e sofre de câncer

É falso que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) sofra de um câncer e não tenha sido alvo de uma facada. O boato sobre a doença já havia viralizado outras vezes nas redes sociais e voltou a ser compartilhado após a cirurgia a que Bolsonaro foi submetido no domingo, 8.

A intervenção médica foi a quarta desde 6 de setembro de 2018, quando o então candidato à presidência da República foi vítima de uma facada durante um ato de campanha em Juiz de Fora (MG). A cirurgia, para corrigir uma hérnia, foi realizada no Hospital Vila Nova Star, em São Paulo.

Em entrevista à revista Veja na sexta-feira, 6, o cirurgião geral responsável por esta e outras duas cirurgias no presidente, Antônio Macedo, refutou qualquer possibilidade de Jair Bolsonaro ter câncer. “Vou acabar com qualquer dúvida. Não havia tumor nenhum dentro da barriga do presidente. O que tinha era trajeto de facada”, afirmou.

No ano passado, o Comprova verificou o conteúdo de publicações que viralizaram após o médico falar, em tom de brincadeira e fazendo referência aos boatos que já circulavam na internet, sobre um câncer de intestino de Bolsonaro.

Um tuíte publicado no domingo, 8, alega que “hoje foram 5h em uma cirurgia de hérnia, em um hospital especializado em câncer e 2 oncologistas participaram da cirurgia”.

De fato, o procedimento levou mais tempo do que as duas horas que eram previstas; começou às 7h35 e terminou às 12h40. Apesar disso, o post exagera ao afirmar que a unidade de saúde é especializada em câncer. Ao Comprova, a assessoria de imprensa da instituição afirmou que se trata de um hospital geral, referência em oncologia, cardiologia, neurologia e cirurgias.

Além disso, não há especialistas em oncologia na equipe médica responsável pela cirurgia. O cirurgião geral Antônio Macedo e o cardiologista Leandro Echenique são os mesmos que acompanharam outros dois procedimentos cirúrgicos no presidente no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, um ainda em setembro de 2018 e o outro em janeiro de 2019.

Esta verificação do Comprova checou informações de uma publicação do perfil @robertabastosn no Twitter. A postagem foi feita no dia 8 de setembro, quando foi realizada a cirurgia de Bolsonaro.

Falso para o Comprova é o conteúdo divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Como verificamos

Para esta verificação, o Comprova entrou em contato com o Hospital Vila Nova Star, onde Bolsonaro fez a cirurgia, e com o Palácio do Planalto. Também consultamos os boletins médicos divulgados após as quatro cirurgias às quais o presidente foi submetido.

Você pode refazer o caminho da verificação do Comprova usando os links para consultar as fontes originais ou visualizar a documentação que reunimos.

Bolsonaro tem câncer?

O cirurgião Antônio Macedo negou que Bolsonaro tenha câncer na entrevista publicada pela revista Veja na última sexta-feira, 6.

Em outubro do ano passado, em entrevista ao G1, o médico também desmentiu os boatos. “Ele não tem câncer nenhum. Ele sofreu uma facada, uma tentativa de assassinato”, disse. Macedo enfatizou que “ele nunca teve câncer” e classificou como “completamente ignorantes” os autores dos rumores. Macedo destacou, à época, que não é oncologista, e sim cirurgião-geral do aparelho digestivo.

O médico foi gravado pela TV Record dias depois dessa entrevista, ao fazer uma brincadeira sobre as publicações que viralizaram. O cirurgião afirmava, aos risos, antes de fazer um exame na casa de Bolsonaro, que “operou um câncer no intestino” dele. Depois, como o Comprova mostrou, foram compartilhados no Twitter trechos do vídeo com legendas enganosas que diziam que o presidente realmente estava com câncer.

O assunto voltou a viralizar em fevereiro de 2019, quando Bolsonaro estava internado após passar por mais uma cirurgia. O porta-voz da Presidência da República, Otávio do Rêgo Barros, leu uma nota em que a equipe médica esclarecia que ele não tinha câncer.

O Palácio do Planalto foi questionado na segunda-feira, 9, pelo Comprova e respondeu, por e-mail: “Sem comentários”.

De onde surge a informação de que Bolsonaro tem câncer?

O boato foi publicado em contas no Twitter e no Facebook após a facada. Em julho de 2019, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em entrevista, questionou a veracidade do ataque sofrido pelo presidente por não ter visto sangue. Ao rebater, Bolsonaro perguntou: “Alguém acha que eu teria grana e influência para armar isso?”. À BBC, em agosto, Lula reafirmou que não acredita que o presidente foi esfaqueado.

A dúvida sobre a ausência de sangue fora do corpo de Bolsonaro após a facada foi levantada ainda no dia 6 de setembro de 2018. “Não é um sangramento como se vê em televisão, que fica aquela roda de sangue. O que sangrará é para dentro do abdômen. Ele poderia ter perdido um volume muito maior, e não seria exteriorizado para o corpo”, explicou ao Estadão o cirurgião Luiz Henrique Borsato, que operou o presidente na Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora.

Bolsonaro foi operado por oncologistas?

Ao contrário do que afirma a publicação, nenhum dos médicos responsáveis pelo procedimento é oncologista.

Antônio Macedo, que chefiou três cirurgias, é presidente do Conselho de Oncologia do Hospital Israelita Albert Einstein, mas é cirurgião geral e todos os seus prêmios e publicações são nessa área. Ele também foi responsável por diversas cirurgias de pacientes com câncer, como Hebe Camargo, entretanto, esta não é sua especialidade.

Leandro Echenique é cardiologista. Antônio Antonietto, que também assina o boletim médico, é sanitarista e diretor do hospital. Além deles, aparece o nome do médico da presidência da República, Ricardo Peixoto Camarinha, que é cardiologista, segundo informou o Planalto ao Comprova.

Por que a cirurgia durou cinco horas?

Em coletiva de imprensa após a cirurgia deste domingo, 8, o médico Antônio Macedo explicou que as aderências — ou seja, “ligações” devido às cicatrizes — no intestino de Bolsonaro levaram a um tempo maior do que o previsto de cirurgia.

“Normalmente uma hérnia não demora tudo isso que demorou, mas a gente não contava que tinha aderido tudo de novo em relação à cirurgia de 28 de janeiro. Isso que é que faz ir com muito cuidado, porque você não pode machucar o intestino sob hipótese nenhuma”, afirmou.

“A gente fala que vai durar duas horas. Mas vai durar o que é necessário. Se precisar durar quatro, que demore. O importante é ficar bem feito”, disse ainda.

Por e-mail, o Hospital Vila Nova Star afirmou que “conforme o cirurgião-chefe Dr. Antonio Luiz de Vasconcellos Macedo disse na coletiva de imprensa, cada caso é único e deve ser avaliado separadamente. Neste caso, o procedimento durou o suficiente para ser bem-sucedido de acordo com a técnica utilizada e obter o melhor resultado no quadro clínico do paciente”.

Por que Bolsonaro fez uma quarta cirurgia?

Após três cirurgias no abdômen (músculo que segura os órgãos dentro da barriga) em virtude do ataque a faca em Juiz de Fora (MG), a região ficou enfraquecida. Parte do intestino, então, escapou para fora da parede do músculo abdominal – esse “escape” recebe o nome de hérnia. A quarta cirurgia foi feita para corrigir esse problema.

Macedo destacou que a hérnia incisional, caso de Bolsonaro, é considerada um “evento relativamente prevalente após laparotomias (cirurgias no abdômen)”.

O presidente da Sociedade Brasileira de Hérnia da Parede Abdominal (SBH), Christiano Claus, explicou em uma publicação no site da organização que esse tipo de hérnia aparece em cerca de 10% a 15% dos pacientes no mesmo lugar que uma cirurgia anterior.

Quais foram as outras cirurgias feitas por Bolsonaro?

Bolsonaro ficou internado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, entre os dias 27 de janeiro e 13 de fevereiro, para realizar a cirurgia de reconstrução do trânsito intestinal.

A primeira cirurgia à qual o presidente foi submetido ocorreu no dia do atentado, em um hospital em Juiz de Fora. Bolsonaro precisou receber quatro bolsas de sangue e implantou uma bolsa de colostomia.

A segunda cirurgia ocorreu dias depois, em São Paulo. Neste procedimento, os médicos reabriram o corte da primeira cirurgia e encontraram uma parte do intestino obstruída.

Em janeiro, o presidente realizou a terceira cirurgia, em São Paulo, para retirar a bolsa de colostomia e fazer uma ligação no intestino.

Bolsonaro pode voltar a fazer cirurgias?

Após a cirurgia, Antônio Macedo afirmou que as chances de Bolsonaro voltar a ter uma hérnia são pequenas. “As hernioplastias incisionais, como essa hérnia, têm um índice de recidiva, mas não é superior a 6%”, explicou na coletiva de imprensa. “O tecido que nós conseguimos unir e reforçar é um tecido já bem mais vivo do que na cirurgia de 28 de janeiro. Ele está bem mais musculoso, bem mais forte, bem mais nutrido”, enfatizou.

Repercussão nas redes

O post do perfil @robertabastosn no Twitter tinha 2 mil retweets e 10,2 mil curtidas em 10 de setembro, dois dias após ter sido publicado.

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